A investigadora Maria João Tomás, no seu habitual espaço de comentário na SIC Notícias, alegou repetidamente que um soldado russo “muito novinho” teria sido condenado a um fuzilamento público por ter filmado um ataque ucraniano. No entanto, não existe qualquer relato de situações remotamente semelhantes e a pena de morte está suspensa na Rússia há quase 30 anos. No comentário, a própria investigadora sugere que a informação é verdadeira porque “aparece nas redes sociais” de ucranianos. Tentámos obter informações junto da comentadora e da Impresa (dona da SIC) sobre as fontes usadas e um eventual esclarecimento do público, mas não obtivemos resposta.
A investigadora e comentadora da SIC Notícias Maria João Tomás reportou na passada terça-feira à noite (dia 3), no programa Edição da Noite, uma suposta condenação a fuzilamento público de um jovem russo que teria filmado um ataque ucraniano a aviões russos.
“Havia um soldado muito novinho, que estava perto do local onde foram abatidos os aviões e que filmou. Neste momento, o rapaz está condenado a fuzilamento público”.
A alegação é, aliás, repetida por mais duas vezes ao logo da sua intervenção.
Previamente, a comentadora havia afiançado a veracidade da notícia com base em relatos das redes sociais, segundo ela, de pessoas ucranianas.
“Isto aparece nas redes sociais, quem segue pessoas que são da Ucrânia, é muito fácil, é público…”.
De registar, igualmente, que a invocação das redes sociais, para mais de uma ‘parte interessada’ no conflito, como fonte da informação, não levou a qualquer pedido de esclarecimento sobre a fiabilidade da informação veiculada por parte da jornalista que moderava o programa.
Perguntas à SIC e à comentadora
Contactámos, quer a SIC quer Maria João Tomás, para que nos fosse fornecida a fonte da informação transmitida ou, caso ela se revelasse falsa, questionámos se a pretendiam retificar.
À comentadora, perguntámos:
1 – Em concreto, em que fontes baseou a sua afirmação?
2 – Confirmou a informação de alguma forma, através de outras fontes credíveis e independentes?
3 – Caso essa informação se revele falsa, ou na impossibilidade de a confirmar, pretende corrigi-la junto do público?
À Impresa, grupo que detém a SIC e a SIC Notícias, enviámos as seguintes questões:
- A SIC Notícias concorda com a utilização das redes sociais como fontes, aparentemente não confirmadas, nos seus espaços de comentários?
- Caso a alegação se revele falsa, ou não confirmada, pretendem corrigi-la junto do vosso público?
- A SIC tomou, ou pensa tomar, medidas para evitar que os seus comentadores transmitam informações falsas ou não comprovadas?
Até ao momento, não recebemos qualquer resposta.
Informação falsa, pena de morte suspensa na Rússia
Procurámos essa informação junto da imprensa, redes sociais e motores de busca, mas nenhuma fonte relata qualquer incidente do género ou, até, remotamente semelhante.
A pena de morte na Rússia está, aliás, suspensa desde 1996, devido a uma moratória, reafirmada pelo Tribunal Constitucional em 1999 e 2009. Sendo que, desde essa data, há cerca de 30 anos, não existe nenhuma condenação à morte na Rússia.
Informações falsas difundidas por comentadores
Infelizmente, comentadores de inúmeros canais televisivos nacionais têm divulgado com frequência informações ou imagens falsas (alguns exemplos no “Ver Também”).
Uma das justificações, abertamente assumida pelo comentador da NOW Ireneu Teixeira, é o uso não confirmado de publicações veiculadas nas redes sociais que são frequentemente acusadas, nomeadamente por eles próprios (média tradicionais) como a grande fonte de desinformação e um perigo para a democracia.
Caso não obtenhamos a garantia de retificação e de esclarecimento público, informaremos a ERC de mais esta situação, esperando que o regulador exerça a sua função e ajude a combater este fenómeno de desinformação nos média com maior alcance em Portugal.
Ver também:
Alexandra Leitão profere afirmações infundadas sobre Trump, e recusa retificar – The Blind Spot
Jornal Expresso divulga informação falsa sobre máscaras – The Blind Spot
SIC repete fórmula de fake news – The Blind Spot
