NĆ£o deixes o vĆrus entrar.
Era isto que repetiam os cartazes à beira das estradas, nos passeios e nas estações dos autocarros.
NĆ£o deixes o vĆrus entrar.
E mostravam pessoas deitadas em camas de cuidados intensivos, adormecidas Ć forƧa de medicamentos, com tubos enfiados pela boca, pelo nariz, e em veias, pessoas gravemente doentes, juntamente com frases como ā2 metros de distĆ¢ncia podiam ter ajudado a evitar tudo istoā e āuma simples mĆ”scara podia ter ajudado a evitar tudo istoā ou entĆ£o āuma janela aberta podia ter ajudado a evitar tudo istoā. Publicidade institucional ao serviƧo da manipulação da realidade e da indução do medo.
E todos estes cartazes gritavam em baixo, letras grandes: ānĆ£o deixes o vĆrus entrarā.

NĆ£o deixes o vĆrus entrar. Que sentido faz isto?
Agora jĆ” todos aceitĆ”mos que o vĆrus serĆ” nossa companhia para os próximos anos, dĆ©cadas ou sĆ©culos. Com ou sem vacinação da população. Com taxas de 90% de vacinados (como em Portugal) ou de 65% (como no resto da Europa).
De referir que, desde o inĆcio da pandemia, muitos consideraram provĆ”vel que assim fosse e que nĆ£o fazia qualquer sentido agirmos como se o vĆrus fosse āser vencidoā e desaparecer. E este pensamento foi repetidamente anunciado e explicado, muito embora sem grande repercussĆ£o na comunicação social.
Mas agora Ć© consensual: jĆ” ninguĆ©m acha que o vĆrus vai desaparecer, nem que a estratĆ©gia do āzero casosā tenha razĆ£o de ser.
Sendo assim, que sentido faz o ānĆ£o deixes o vĆrus entrarā? AtĆ© quando? Se ele vai continuar entre nós, a circular por todos nós, mais cedo ou mais tarde entrarĆ” em cada um, certo?
Onde ainda não entrou, entrarÔ. Por onde ainda não passou, passarÔ.
Que o digam os paĆses e regiƵes que foram mais poupados atĆ© agora, e que estĆ£o por estes dias a viver as vagas que outros viveram previamente.
Porque por onde não passou, ele passarÔ, e onde não entrou, ele entrarÔ.
EntĆ£o que sentido faz mantermos a estratĆ©gia do ānĆ£o deixes o vĆrus entrarā? E Ć© suposto mantĆŖ-la atĆ© quando? Ć que mesmo aqueles que jĆ” tiveram Covid, aqueles onde o vĆrus jĆ” entrou, continuam a obedecer Ć s mesmas regras (forƧados pelas recomendaƧƵes, obrigados pelos outros aterrorizados, ou impelidos pelo terror que eles próprios ainda sentem). Continuam a cumprir a regra: ānĆ£o deixes o vĆrus entrarā.
à este o mantra que nos dirige e orienta, quando ajustamos a mÔscara ao passar perto de outra pessoa, quando desinfectamos as mãos vezes sem conta, quando criticamos quem não se vacina nem se testa.
O mantra ānĆ£o deixes o vĆrus entrarā Ć© o novo Pai Nosso e Ave Maria de todo um povo, sociedade, autoridades e governação.
NĆ£o faz sentido. O vĆrus vai entrar, deixemos ou nĆ£o. E repetirmos e cumprirmos o mantra só nos deixa assustados e faz crescer desproporcionadamente o monstro inventado do medo do SARS-CoV-2.
Por isso, ouve com atenção.
Se ele ainda não entrou dentro de ti, hÔ-de entrar. Agora mesmo, na próxima semana ou mês, ou nos próximos anos. Não hÔ nada que possas fazer.
E nĆ£o faz mal. Em mais de 99% dos casos, nada de grave se vai passar. E nos restantes menos de 1%, o que se passarĆ” Ć© inevitĆ”vel, deixes ou nĆ£o o vĆrus entrar. NĆ£o merece a pena pensar nisso. Da mesma forma que nĆ£o vale a pena pensar em todas as outras doenƧas graves inevitĆ”veis que te podem acontecer a qualquer momento. Ć estupidez fazĆŖ-lo. Devemos isso sim viver a vida em pleno e aproveitar todo o tempo que temos, seja ele qual for.
Deixa o vĆrus entrar. NĆ£o te preocupes mais com isso. Deixa-o entrar, como sempre deixaste entrar o ar nos pulmƵes, a comida e a bebida pela boca. Deixa-o entrar e equilibrar-se contigo, como todos os outros germes o fazem, para teu bem. JĆ” vi pessoas vacinadas terem Covid-19 grave, mas nunca vi ninguĆ©m que jĆ” tivesse tido Covid-19 a voltar a infectar-se com o vĆrus e a adoecer com gravidade. A vacina nĆ£o vale a imunidade de uma infecção natural.
Deixa o vĆrus entrar.
Larga a mƔscara, beija quem quiseres, abraƧa quem precisa, toca e dƔ carinho aos que gostas.
Esquece o vĆrus, esquece os germes, nĆ£o deixes que te estraguem, que te tornem um fóbico dos micróbios, do ambiente, das coisas e dos outros. Segue o teu instinto e a tua vida.
Deixa o vĆrus entrar.
Tiago de Abreu, mƩdico, especialista em Medicina Interna
