A verdade, quando existe em termos absolutos, raramente corresponde à visão mais popular, à de um grupo ou, tão pouco, à de uma única pessoa. A realidade é demasiado complexa e difícil de decifrar, até por todos os enviesamentos a que estamos sujeitos- experiências, ideologia, interesses, crenças ou “pensamento de grupo”.
Por isso, além da ciência, a outra grande arma contra o obscurantismo tem sido a liberdade de expressão. Esta é um dos baluartes das sociedades ocidentais e um dos motores das suas enormes conquistas.
Do ponto de vista pessoal não é confortável. Quando colocam as nossas ideias em causa, sentimos estar a ser atacados. No entanto, não é difícil perceber que apesar de nos sentirmos mais seguros a discutir com quem concordamos, é com esses que menos possibilidade temos de aprender e evoluir.
Mesmo as ideias que parecem absurdas devem poder ser expressadas livremente. Para poderem ser desmontadas, desmentidas com factos ou ensinarem-nos algo, que à partida nos escapou.
Por isso, muitos percebem que é fundamental defender esse direito mesmo quando se discorda. Que não se trata apenas da defesa das liberdades individuais, mas a defesa de uma sociedade livre, próspera e democrática. Muitos. Mas não todos. Arrisco-me a dizer que cada vez menos.
O que parecia um pilar de muitos países ocidentais, há bastante tempo que revela sinais de erosão, corroído por ideologias com tendências totalitárias, fenómenos comunicacionais que reforçam o tribalismo ou por novas estratégias de luta pelo poder.
Os argumentos para a limitação da liberdade de expressão são muitos e variados:
- “Somos tolerantes, menos com os intolerantes”, sendo que eles é que decidem o que deve ser tolerado.
- “São vozes perigosas para a sociedade”, sendo que eles é que decidem o que é um perigo para a sociedade;
- ”São opiniões ofensivas”, sendo que a hipersensibilidade é apenas de alguns. Os supostos “transgressores” não gozam dessa proteção e podem ser insultados livremente.
- “São vozes minoritárias”, mesmo que a história tenha demonstrado que a razão não está muitas vezes do lado das maiorias.
Talvez a causa raiz dessa intolerância seja a falta de diversidade. Sem o convívio com outras visões não pode haver aprendizagem e moderação. Pelo contrário, haverá uma cristalização de pensamento e intolerância pelas visões alternativas.
Todas elas parecem radicais e incompreensíveis, por serem incompatíveis com os dogmas que a falta de contraditório inevitavelmente produz e alimenta.
Cancel Culture
Este fenómeno é visível há vários anos no mundo académico, nomeadamente anglo-saxónico, mas um pouco por todo o lado.
Um mundo alienado, construído à base de ideologia e conformismo, leva a que mesmo as evidências científicas mais sólidas sejam rejeitadas por contradizerem os dogmas instituídos.
Uma forma de o fazer é através da adulteração da ciência, por exemplo, através do viés de publicação, utilização de estudos de baixa qualidade como “prova” ou mesmo fraude.
Outra, é a censura e mesmo o “cancelamento” (cancel culture), pessoal e profissional, de quem não alinha nas ideologias e crenças vigentes.
No meio académico, os exemplos são infindáveis. Desde o despedimento de uma reitora por incluir, numa manifestação de apoio à luta contra o racismo, a afirmação “BLACK LIVES MATTER, mas também, EVERYONE’S LIFE MATTERS.”
Até ao da professora despedida por ir contra os postulados ideológicos vigentes e salientar um dos factos científicos mais incontornáveis, em humanos e animais, o de que existem diferentes sexos biológicos.
Se na academia este fenómeno é antigo, ele tem-se alargado a outras áreas como as grandes empresas tecnológicas e algum jornalismo. Também aí, a falta de aceitação da diversidade de pensamento começa a ser evidente.
Os perigos são inúmeros como o emergir de uma sociedade repressiva e com tiques totalitários.
Cabe-nos a todos usar os recursos disponíveis para defender o direito à liberdade de expressão, mesmo quando não concordamos ou até nos sentimos incomodados com seu uso.
Os “incómodos” de não o fazermos serão certamente maiores no futuro.