Publicidade inconsciente e subliminar: Quid Juris?

Define-se publicidade como o isco da comunicação para captar os clientes para o funil de vendas. Quando se assiste ostensivamente a um anĆŗncio de um perfume carimbado por ā€œproduct endorsementā€, constata-se que os publicitĆ”rios utilizam personagens estereotipadas na construção de anĆŗncios, atravĆ©s dos quais Ć© sugerido ao consumidor identificar-se. Criando-se assim a noção de reflexo, ou a imagem do consumidor a quem o anĆŗncio se dirige, funcionando como um modelo de aspiração. O consumidor perplexamente fecha os olhos e imagina a celebridade e consequente imagem do anĆŗncio. O processo de repetição da marca, manifesta-se numa sinergia em que a percepção consciente transfere-se para o subconsciente. A publicidade, acima de tudo, tem como intuito levar Ć  compra ou mudar o comportamento do consumidor, estudando a sua fragilidade e vulnerabilidade, com produtos que explorem a fisiologia humana, tais como: o Ć”lcool ou o tabaco.

Reconhece-se que a publicidade tem o poder de levar o elemento subconsciente do cérebro humano a reagir de formas que são vantajosas para quem a faz, mas normalmente desvantajosas para quem é impulsivamente cativo pelo desejo irracional de comprar o produto publicitado. As imagens, especialmente as revestidas de um conteúdo emocional, têm o poder de ficar retidas no neocórtex, produzindo uma corrente de pensamentos irracionais que, se prevalecerem, conduzem o indivíduo a uma prisão de consumismo criada por ele próprio.

Ao desencadear o sentimento de medo num indivíduo, este irÔ progressivamente regredir para impulsos cada vez mais infantis, primitivos e animalescos. AliÔs, um bom anúncio publicitÔrio consegue produzir alterações físicas mensurÔveis, como contracções musculares involuntÔrias e alternâncias nas ondas cerebrais, no ritmo cardíaco e na condutividade eléctrica da pele. Na segmentação do público-alvo, os publicitÔrios devem-se aproveitar de indivíduos que sofram de ansiedade, depressão ou que estejam mergulhados numa indulgência neurótica, pois normalmente, fazem parte da quota de mercado de produtos como Ôlcool, drogas, tabaco ou jogo.

Os anúncios devem ser o mais emocionalmente provocadores possível, de modo a activar ansiedades inconscientes relacionados com o consumo do produto que se estÔ a vender. Daí, nos anúncios tabagísticos surgir a ocorrência de referências a morte, suicídio, masoquismo ou depressão, dada a grande fatia dos fumadores se rever inconscientemente nestes sentimentos. Em contrapartida, os anúncios de bebidas alcoólicas recorrem à exibição de modelos vestidos e maquilhados com o intuito de seduzir o espectador, quase na fronteira da pornografia leve. Não é surpresa que o Ôlcool estÔ correlacionado com a vida nocturna e o sexo, sendo ele próprio um lubrificante social. Desta forma, é essencial direccionar este género de anúncios para pessoas noctívagas, de preferência que tenham sentimentos de ansiedade e que sejam susceptíveis a activações comportamentais externas de dependências associadas a estes estados emocionais.

A criação de um anúncio com o desejo de encorajar a audiência a ficar satisfeita é um desperdício monetÔrio. Pois, seguindo esta lógica não estaremos a motivar o consumismo irresponsÔvel, na qual o mercado é dependente. O consumo estÔ correlacionado com o vazio e insatisfação do consumidor. A persuasão efectuada no discurso publicitÔrio deve ter apelos distintivos, tendo um deles um carÔcter preconceituoso. O subconsciente é característico por sonhos, fantasias, traumas, tendências sexuais, edípicas ou outro tipo de perversidades. Caso o anunciante coloque uma referência que desencadeie alguma forma de fantasia, quer seja sexual ou de outra natureza, o espectador ficarÔ deslumbrado (inconscientemente) com a sedução publicitÔria, e consequentemente, serÔ levado ao acto de compra. Dito isto, os anúncios devem ser dirigidos a fraquezas psicológicas específicas de pessoas particularmente vulnerÔveis e devem exercer uma pressão enorme psicológica, de forma a que a pessoa seja incapaz de controlar as suas fantasias inconscientes.

ā€œCom este efeito, o discurso publicitĆ”rio relaciona, se bem que por vezes implicitamente, aos desejos inconscientes dos indivĆ­duos com as caracterĆ­sticas do produto, colocando em relevo a dimensĆ£o simbólica e nĆ£o apenas funcional do consumo.ā€ Ainda, deve-se escrutinar qualquer dado de natureza influenciadora do indivĆ­duo, como a juventude, emoƧƵes, sonhos, fantasias e relacionamentos amorosos. Assim, estes indicadores deverĆ£o realƧar o poder simbólico e sugestivo da imagem publicitĆ”ria.

Em psicanÔlise, a produção artística compartimentaliza-se em dois níveis. O nível primÔrio refere-se a processos inconscientes como sintomas neuróticos, sonhos e desejos. JÔ o nível secundÔrio aplica-se ao pensamento consciente e à expressão social civilizada, através da linguagem das imposições institucionais. Numa analogia, o anunciante deve observar o mundo como um laboratório e percepcionar os cidadãos como ratos de laboratório.

Antigamente, o Homem no seu estado primitivo tinha a obrigatoriedade de prestar atenção inconscientemente a qualquer fenómeno, para evitar o perigo. Em paralelo, actualmente este comportamento traduz-se numa fraqueza psicológica explorada pelos publicitÔrios. Sem se aperceber, os consumidores percorrem a arena mediÔtica, com a ânsia de encontrar certos anúncios que se relacionem com as suas peculiaridades pessoais.

Ao longo da história comunicacional houve inĆŗmeros estudos em publicidade subliminar, e como a sua prĆ”tica poderia espoletar as vendas comerciais. Numa abordagem legislativa, a proibição de ā€œflash framesā€ Ć© provavelmente constitucional. O artigo 9Āŗ da Directiva (UE) 2018/1808 do PE e do Conselho, de 14 de Novembro de 2018, relativa Ć s disposiƧƵes legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes Ć  oferta de serviƧos de comunicação social audiovisual, dispƵe no nĀŗ 1, al. b), que os ā€œEstados-Membros asseguram que as comunicaƧƵes comerciais audiovisuais oferecidas por fornecedores de serviƧos de comunicação social nĆ£o podem utilizar tĆ©cnicas subliminaresā€.

A Lei da TelevisĆ£o (aprovada pela Lei nĀŗ 27/2007, de 30 de Julho), que transpĆ“s a Directiva citada, refere no artigo 69Āŗ-B, nĀŗ 1, al. c), refere que os ā€œfornecedores de plataformas de partilha de vĆ­deos asseguram que as comunicaƧƵes comerciais audiovisuais por si comercializadas, vendidas ou organizadas sĆ£o facilmente reconhecĆ­veis como tal e que nĆ£o utilizem tĆ©cnicas subliminaresā€. Para complementar, o Código da Publicidade cobre esta actividade no artigo 9Āŗ, nĀŗs 1 e 3 (ā€œPublicidade oculta ou dissimuladaā€), ao mencionar que: ā€œĆ‰ vedado o uso de imagens subliminares ou outros meios dissimuladores que explorem a possibilidade de transmitir publicidade sem que os destinatĆ”rios se apercebam da natureza publicitĆ”ria da mensagem, e que possa provocar no destinatĆ”rio percepƧƵes sensoriais de que ele nĆ£o chegue a tomar consciĆŖncia.ā€.

Por outro lado, a constituição portuguesa indica no artigo 42Āŗ nĀŗ1, intitulado de ā€œLiberdade de criação culturalā€, consagra que: ā€œĆ‰ livre a criação intelectual, artĆ­stica e cientĆ­fica.ā€.

AlĆ©m disso, o artigo 78Āŗ nĀŗ 1 e nĀŗ 2, alĆ­nea b), denominado de ā€œFruição e criação culturalā€, indica: ā€œTodos tĆŖm o direito Ć  fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.ā€ e ā€œIncumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas mĆŗltiplas formas e expressƵes, e uma maior circulação de obras e dos bens culturais de qualidade.ā€.

Ainda, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 27Āŗ, nĀŗ1, profere explicitamente: ā€œToda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso cientĆ­fico e nos benefĆ­cios que deste resultam.ā€.

Sabemos que a classificação de publicidade subliminar é altamente subjectiva e interpretativa. Passo a exemplificar, serão formas corporais, sombras, sombreados ou substituições de formas consideradas prÔticas ocultas ou dissimuladas?

Na interpretação jurĆ­dica, o artigo 42Āŗ, da CRP, inibe a proibição de expressĆ£o artĆ­sticas, seja de sombreados ou utilização de partes corporais. Assim, esta forma de arte encontra-se, igualmente, protegida pelo artigo 37Āŗ, nĀŗ 1, CRP (ā€œLiberdade de expressĆ£o e informaçãoā€) que reza o seguinte: ā€œTodos tĆŖm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meioā€¦ā€.

Para concluir, não existe uma imagem puramente denotada que se contente em representar desinteressadamente uma realidade gratuita, pelo contrÔrio, toda a imagem veicula numerosas conotações provenientes do mecanismo de certos códigos .

ReferĆŖncias

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Os 5 filtros da propaganda – The Blind Spot

Deformação da Informação: Jornalismo de Investigação – The Blind Spot

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