Rússia e Fórum Económico Mundial: adversÔrios ou parceiros?

Os eventos recentes mostram uma sintonia entre a agenda do Fórum Económico Mundial (FEM) e a agenda da Rússia. Apesar de reconhecer o FEM como uma entidade do Ocidente Coletivo hostil, as políticas de ambos são similares, à excepção da política de descarbornização (Moscovo não pretende abdicar do seu petróleo e gÔs, fontes de grande parte das receitas do Estado).

Para quem possa eventualmente pensar que a Rússia tem uma política diferente em relação à agenda do Fórum Económico Mundial, alguns eventos dos últimos anos mostram o contrÔrio.

Em 2011, Herman Gref, o CEO do maior banco da Rússia, o Sberbank, foi eleito para o Conselho de Administração do Fórum Económico Mundial (FEM) para um mandato de 3 anos. Desde 2008, o Sberbank foi um parceiro estratégico do Fórum de Davos. 

Em 2015, o FEM convidou Vladimir Putin a discursar na sua sessão plenÔria. Putin e seu antecessor como presidente, Dmitry Medvedev, discursaram cinco vezes no FEM desde 2007. A partir de 2021, o CEO do Sberbank passou a fazer parte do Conselho de Curadores do FEM, juntamente, entre outros, com Klaus Schwab, Christine Lagarde e Kristalina Georgieva. 

Quando a guerra na UcrĆ¢nia comeƧou, a RĆŗssia na prĆ”tica deixou de participar no Fórum de Davos. Mas terĆ” Moscovo abandonado os principais programas e a agenda globalizadora do FEM? Discursando por videoconferĆŖncia na Ćŗltima cimeira do G20 na ƍndia, Putin declarou que ā€œo desenvolvimento da infraestrutura pĆŗblica digitalā€ Ć© uma prioridade para a Federação Russa.

Putin disse nomeadamente o seguinte:Ā 

ā€œO nosso paĆ­s continuarĆ” a contribuir para a realização equilibrada dos Objetivos de Desenvolvimento SustentĆ”vel, a preservação do clima e da biodiversidade do nosso planeta, a transformação digital da economia global e a garantia da seguranƧa alimentar e energĆ©tica. Sublinho que a RĆŗssia tem dado prioridade ao desenvolvimento da infraestrutura pĆŗblica digital e ao fortalecimento da seguranƧa da informação. A propósito, jĆ” prestamos a maioria dos serviƧos pĆŗblicos Ć  população em formato eletrónico. Como participante responsĆ”vel dos esforƧos globais para combater as mudanƧas climĆ”ticas, a RĆŗssia planeia alcanƧar a neutralidade carbónica atĆ© 2060. Para isso, estamos a usar todas as ferramentas disponĆ­veis e eficazes para reduzir as emissƵes de gases de efeito estufaā€.

De realƧar que o Fórum Económico Mundial (FEM) tem vindo a incentivar a construção da referida infraestrutura digital.Ā  Em novembro deste ano, o FEM propĆ“s o seu plano para introduzir sistemas de ā€œidentidade digitalā€, que jĆ” comeƧaram a ser implementados na UniĆ£o Europeia.Ā 

Na Rússia, tal como nos países do Ocidente, a infraestrutura digital pressupõe que todos, ou a maioria dos serviços do Estado, sejam prestados por via electrónica; preconiza a atribuição a todos os cidadãos de uma identidade digital e a introdução da CBDC (moeda digital do Banco Central). 

Videovigilância e biometria

O governo russo anunciou recentemente um plano de ā€œcriação de uma plataforma nacional para armazenamento e processamento de informaƧƵes de todos os sistemas de videovigilĆ¢ncia da Federação russaā€. AtĆ© 2030, 5 milhƵes de cĆ¢maras deverĆ£o estar ligadas a algoritmos de reconhecimento facial, geridos por inteligĆŖncia artificial. A plataforma irĆ” igualmente abranger as cĆ¢maras instaladas por particulares.Ā 

Em Dezembro de 2022 foi adoptada na Rússia uma lei que estabelece o chamado Sistema Biométrico Unificado (UBS, na sigla em russo). A lei entregou o controle dos dados biométricos do país a uma empresa comercial parcialmente controlada pelo Banco Central da Rússia, o Center for Biometric Technologies JSC (sociedade anónima). Esta lei segue as recomendações de uma estrutura globalista e profundamente hostil à Rússia como é o Banco Mundial. 

Ainda em 2018, o Banco Mundial recomendou que a Rússia torne os serviços públicos totalmente digitais e transforme o sistema de educação e de saúde de acordo com as tecnologias digitais. 

Desenvolvimento sustentƔvel

Em Dezembro de 2023, a RĆŗssia aderiu Ć  Declaração sobre Agricultura SustentĆ”vel, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação ClimĆ”tica da ONU, adoptada na 28ĀŖ edição da ConferĆŖncia das Partes – mais conhecida como COP – sobre mudanƧas climĆ”ticas, realizada no Dubai. O conselheiro presidencial Ruslan Edelgeriyev liderou a delegação russa. No seu discurso, ele disse:Ā 

ā€œPermanecemos igualmente comprometidos com as metas do Acordo de Paris. Pretendemos alcanƧar a neutralidade carbónica atĆ© 2060 e cumprir todas as outras metas nacionais adotadas em conformidade com este importante documento. No nosso paĆ­s, continuamos a desenvolver o nosso mercado de emissƵes de carbono, combinando os projetos climĆ”ticos com os projetos obrigatórios do nosso paĆ­s, como o sistema experimental de comĆ©rcio de emissƵes na regiĆ£o de Sacalina. Pretendemos tirar o mĆ”ximo partido do nosso potencial na implementação de projectosĀ (…) que contribuem para vĆ”rios Objectivos de Desenvolvimento SustentĆ”vel. Estamos a tentar criar e implementar meios inovadores para restaurar os ecossistemas de forma a aumentar a sua capacidade de absorção.ā€

Segundo alguns analistas, a Rússia estÔ a implementar os seus próprios sistemas de identidade digital para evitar que os mesmos sistemas de origem ocidental sejam adoptados no país. Um processo similar aconteceu com as vacinas COVID e com a CBDC.

Em conclusĆ£o, poderĆ­amos dizer que a RĆŗssia actualmente nĆ£o participa no Fórum Económico Mundial e encara-o como uma entidade do Ocidente Colectivo, que Moscovo qualifica como abertamente hostil. No entanto, Ć  excepção da polĆ­tica de descarbornização – devido Ć  dependĆŖncia das receitas fiscais do petróleo e do gĆ”s -, a RĆŗssia estĆ” a implementar polĆ­ticas bastante similares Ć s preconizadas pelo Fórum Económico Mundial.

(Origem da foto: Arquivo:Flickr – Fórum EconĆ“mico Mundial – CĆŗpula do Fórum EconĆ“mico Mundial sobre a Agenda Global 2008.jpg – Wikimedia Commons)

Cristina MestreĀ Ā