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Comecemos pelos factos. Nos últimos 14 dias, a taxa de mortalidade da CoVID-19 foi de 0,03/100.000 (contra uma taxa de mortalidade por outras doenças e causas de morte de 2,7/100.000), a existência média de doentes internados por CoVID-19 foi de 528,7, num total de cerca 21.000 camas do SNS, em que foram 17.700 dedicadas à CoVID-19, a existência média de doentes internados em unidades de cuidados intensivos foi de 121,9 (perante uma lotação praticada média de 639,8 camas em 2020, segundo dados da ACSS, e um pico de 1.008, excluindo unidades coronárias, pediátricas e de queimados), a incidência de testes positivos foi de 254,8/100.000 e a verdadeira incidência da CoVID-19 é desconhecida.

No mesmo período, a taxa de doentes em estado grave ou muito grave (doentes admitidos em cuidados intensivos sobre o número de casos ativos) foi de 0,35%.

De acordo com os últimos dados divulgados, a “incidência” de infeção entre os que completaram o plano de vacinação é de 0,01%.

Face a este quadro, é nosso entendimento que não se justificam medidas extraordinárias de confinamento e supressão da atividade social e económica. As correntes de opinião que defendem tal atuação, fundamentam o seu apelo em três razões: a evolução crescente da incidência de testes positivos; a aclamada letalidade da “variante indiana”, por atingir os mais jovens e saudáveis, sem compreenderem que, à medida que a cobertura vacinal imuniza os mais idosos, o vírus, felizmente, só pode circular entre os mais jovens; o falacioso anúncio de risco de colapso do sistema de saúde.

Nenhum destes argumentos tem sustentação: o primeiro, porque o, tantas vezes proclamado, aumento da incidência reflete o aumento de incidência de infeção, do número de testes positivos, e não a verdadeira incidência da doença (e quantos mais testes se realizarem, e devem realizar-se, maior será o número de casos positivos); o segundo, pelas razões já apontadas; e o terceiro, porque em nenhum período da pandemia se verificou, em Portugal, um colapso do sistema de saúde – e tal situação, perante os números atuais, também não ocorrerá nem no presente nem no futuro previsível.

De facto, a média das taxas de ocupação das camas hospitalares do SNS foi, em 2020, em pleno período pandémico, sempre inferior à de 2019 (7% inferior). Nos seis maiores hospitais portugueses esta diferença foi de 10%. Do mesmo modo, a pressão sobre os serviços de urgência foi menor em 2020 (em pleno período pandémico) do que em 2019 (o número de episódios de urgência foi 28% inferior). Além disto, a taxa de ocupação das unidades de cuidados intensivos em 2020 (neste caso, as existências diárias sobre o número de camas disponíveis) foi, também, mais baixa do que em 2019 (77,3%, em média, em 2019, contra 61,6%, em média, em 2020). Isto, porque, apesar do aumento de admissões em unidades de cuidados intensivos no final de 2020, foi possível incrementar significativamente o número de camas disponíveis.

Defendemos naturalmente que a resposta à pandemia seja prioritária e que não pode de forma alguma deixar de ser uma preocupação em Portugal, tal como em todo o Mundo. Contudo, estamos numa fase endémica e apenas o desconhecimento sobre o que se passa realmente no terreno pode levar a adiar novamente a necessidade de instalar um sistema de monitorização em tempo real, informatizado e centralizado, das camas hospitalares, fator que, durante o último ano, levou a que se procedesse a um encerramento da prestação de cuidados de saúde a doentes não CoVID-19, o qual está a ter, e continuará a ter no futuro, consequências desastrosas em termos de mortalidade e morbilidade (neste último caso, afetando, também gravemente, as idades pediátricas). E este é um aspeto determinante a ter em conta na denominada “matriz de risco”. Porque o risco de morrer por uma doença que não a CoVID 19, está, esse sim, a aumentar em Portugal. Além disso, a vacinação não pode ser ignorada como uma arma eficaz e protetora da transmissão e da doença grave.

A humanidade passará a conviver, em situação endémica, com este novo vírus, tal como convive com muitos outros. Haverá, sempre, a possibilidade de ocorrerem surtos.

É possível delinear uma estratégia que, evitando a utilização das erradas medidas de confinamento geral, seja eficiente:

– aceleração da vacinação, simplificando o processo (excessivamente consumidor de recursos humanos, que fazem falta nos centros de saúde para o normal atendimento dos doentes), envolvendo-se agentes da sociedade civil no processo (como, por exemplo, as farmácias), de modo a aumentar rapidamente a cobertura vacinal;

– aperfeiçoamento da vigilância epidemiológica, a qual tem sido um insucesso em Portugal;

– cessação de medidas avulsas de fim de semana e outras do mesmo tipo, que já demonstraram não ter impacto no número de novos casos.

Não é, por todas as razões apontadas acima, razoável que se pretenda combater a atual situação (já não “pandémica”, mas endémica) com recurso a medidas “sanitárias”, cuja eficácia tem sido colocada em causa por vários investigadores de grande prestígio (e que produzem efeitos deletérios mais gravosos para a sociedade e o bem comum do que a própria doença, para além de, do modo como foram usadas em Portugal, poderem ter contribuído, ao contrário do pretendido, para o incremento da circulação do vírus).

Os signatários apelam às autoridades de saúde e aos agentes da governação para que, antes de tomarem decisões com enorme potencial deletério, ponderem as opiniões cientificamente fundamentadas dos cientistas e profissionais de saúde que, não negando a importância da CoVID-19, propõem estratégias para a sua abordagem diferentes das que têm vindo a ser seguidas, porque estamos numa fase diferente da evolução da pandemia. É tempo de reconquistar o direito a viver!

Oito de Julho de 2021

(por ordem alfabética)

Adelino Leite Moreira, Médico, Especialista em Cirurgia Cardiotorácica, Professor Catedrático da FMUP, Diretor da Unidade de Investigação em Insuficiência Cardíaca (UNIC)

Agostinho Marques, Médico, Pneumologista, Professor catedrático jubilado da FMUP, Ex- diretor da FMUP

Alberto Barros, Médico, Especialista em Genética Médica, Professor Catedrático da FMUP

Ana Paula Martins, Farmacêutica, Professora Faculdade de Farmácia da UL e Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos

André Moreira, Médico, Imunoalergologista, Professor da FMUP

António Ferreira, médico, internista, Professor da FMUP, Ex-presidente e diretor clínico do CHUSJ e ex-coordenador do grupo para a reforma hospitalar do MS

António Neves da Silva, Clínico Geral, Competência em Medicina Farmacêutica da Ordem dos Médicos

António Oliveira e Silva, Médico, Internista, Ex-presidente do CA e ex diretor clínico do CHUSJ

Caldas Afonso, Médico, Pediatra, Professor Catedrático do ICBAS, Diretor do Centro Materno-Infantil do Norte

Cláudia Carvalho, Médica, Infeciologista

Fernando Torrinha, Médico Radiologista, Chefe de servicos de Radiologia do IPO Lisboa, aposentado

Filipe Almeida, Médico, Pediatra, Intensivista, Professor Universitário, Membro da Academia Pontifícia para a Vida (PAV), Roma

Francisco Rocha Gonçalves, Médico, Cardiologista, Professor Catedrático Jubilado da FMUP, Ex-diretor do Serviço de Cardiologia do CHUSJ

Germano de Sousa, Médico, Patologista Cínico, Ex-Professor Associado de Bioquímica Médica da NMS/UNL, Ex-Bastonário da Ordem dos Médicos.

João Tiago Guimarães, Médico, Patologista Clínico, Professor Universitário FMUP, Diretor do Serviço de Patologia Clínica do CHUSJ

Jorge Nunes de Oliveira, Presidente da APAC (Associação Portuguesa de Analistas Clínicos)

Jorge Torgal, médico, Professor Catedrático de Saúde Pública, NMS/UNK, jubilado, antigo Diretor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical -UNL e antigo Presidente do INFARMED

Luís Nunes, médico pediatra e geneticista, ex diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Professor Catedrático convidado de Saúde Pública da NMS-FCM, UNL

Manuel Gonçalves, Médico, Académico Correspondente da Academia Portuguesa de Medicina, Membro do Expert Advisory Group da Medicines Patent Pool

Nuno Sousa, Médico, Neurologista, Professor Catedrático, Presidente da Escola Médica da Universidade do Minho

Paulo Bettencourt, Médico, Internista, Professor da FMUP, Ex-diretor do Serviço de Medicina Interna do CHUSJ

Cortesia do doutor António Ferreira (subscritor), a quem agradecemos.

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