A falta de inspeção aos ensaios clínicos por parte da FDA é “grosseiramente inadequada”, dizem vários especialistas. Vários denunciantes colocam em causa a competência do regulador norte-americano do medicamento na aprovação de vacinas sem garantir que os procedimentos de segurança são cumpridos.
A supervisão da Food and Drug Administration (FDA) aos ensaios clínicos das vacinas covid-19 tem sido alvo de várias críticas. A revista British Medical Journal (BMJ) investigou os documentos do regulador norte-americano do medicamento (equivalente ao português Infarmed) e descobriu que apenas nove dos 153 locais de ensaio da Pfizer foram inspecionados antes do licenciamento da sua vacina mRNA. De igual modo, a Moderna recebeu a visita dos inspetores da FDA em apenas dez dos seus 99 locais de ensaios.
Além da falta de inspeções, vários denunciantes deram conta de falsificação de dados, divulgação de dados de pacientes e treino inadequado dos funcionários que administravam as vacinas para reportar os efeitos adversos.
É o caso de Brook Jackson que, em 25 setembro de 2020, apresentou uma queixa à FDA quando testemunhou irregularidades em três locais de ensaio da Pfizer que estava a supervisionar. Na sequência da queixa, Jackson foi despedida da empresa contratada pela Pfizer para a realização de ensaios clínicos e tornou-se uma das mais conhecidas denunciantes relativamente “às lesões e danos causados por produtos que utilizam tecnologia mRNA no combate à covid-19”, conforme refere no seu site.
A FDA nunca chegou a inspecionar os três locais referidos por Brook Jackson, relata a BMJ.
O supervisor do medicamente norte-americano está a “colocar em perigo a saúde pública” ao não ser sincera sobre violações que são reveladas durante as inspeções aos locais de ensaios clínicos, diz David Gortler, conselheiro sénior da FDA para a segurança dos medicamentos entre 2019 e 2021, citado pela BMJ.
O farmacêutico e farmacologista tem denunciado na revista Forbes diversas irregularidades da FDA. Em setembro de 2021, Gortler escreveu que os “mandatos da Casa Branca para a vacinação foram feitos antes de terem sido tornados públicos os relatórios clínicos e de segurança da FDA”.
Gotler escreveu que “irracionalmente, essas ordens não isentam as pessoas que já possuem anticorpos adequados para a Covid-19 devido a uma infecção ou vacinação anterior”. E afirma: ”o mandato de Biden para a vacina não abrange a Câmara dos Representantes e o Senado, nem o poder judicial do governo federal”. E compara: “isto levanta questões sobre o porquê de certas elites políticas de Washington terem uma escolha, mas muitos outros americanos não têm”.
Em agosto do mesmo ano, o antigo membro da FDA indicava noutro artigo da Forbes “como é que a falta de transparência da FDA mina a confiança do público”. Gotler escreveu: “como americanos, entendemos que é necessário um certo nível de sigilo para determinados aspetos do governo federal, como a segurança nacional”. No entanto, refere, “este tipo de confidencialidade não deve aplicar-se a questões de saúde pública, decisões da FDA e outras questões científicas em matéria de saúde”.
“A falta de total transparência e de partilha de dados não permite aos médicos e a cientistas confirmar os dados de forma independente e fazer uma correta avaliação de risco-benefício”, diz Gortler, que trabalha atualmente no Centro de Ética e de Políticas Públicas em Washington DC.
A FDA disse à BMJ que leva muito a sério a supervisão dos ensaios clínicos e que adequou a sua ação às restrições de viagens durante a pandemia, publicando manuais para fazer avaliações regulatórias remotamente. Os manuais descrevem inspeções virtuais usando transmissão ao vivo e videoconferência, além de solicitações para a consulta de dados remotamente.
Gortler, que é um inspetor da FDA credenciado, riu-se, de acordo com a BMJ, das declarações do regulador: “não é possível fazer uma inspeção remota. É a mesma coisa do que dizer que vou prender uma pessoa remotamente”. Para o inspetor, “é necessário estar no local e verificar todos os pormenores, como a limpeza, organização e coordenação dos funcionários – incluindo a sua linguagem corporal.”
Falha histórica na supervisão
A FDA tem um longo histórico de falhas na supervisão adequada dos locais de ensaios clínicos. Um relatório de 2007 do Gabinete do Inspetor Geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos constatou que a FDA auditou menos de 1% dos locais de ensaios clínicos do país entre 2000 e 2005 e criticou fortemente a agência porque ela não tinha uma base de dados de locais de ensaios clínicos.
Em resposta ao relatório, a FDA disse que criou uma equipa dedicada e “desenvolveu novos regulamentos e orientações para melhorar a condução dos ensaios clínicos e aumentar a proteção das pessoas que participam neles”. O BMJ pediu para entrevistar um membro da equipa, mas o FDA negou o pedido da revista especializada inglesa.
Uma investigação da revista Science de 2020 analisou a aplicação dos regulamentos de ensaios clínicos pela FDA entre 2008 e 2019 e concluiu que a agência costumava ser “leve, lenta e reservada”. A Science considerava que a FDA raramente impunha sanções e, quando alertava formalmente os pesquisadores sobre a violação da lei, muitas vezes negligenciava a garantia de que os problemas fossem remediados.
Falta de recursos humanos
Historicamente, a FDA tem enfrentado desafios para recrutar e manter pessoal médico suficiente para atender às suas necessidades.
De acordo com um relatório do Government Accountability Office (departamento de responsabilidades do governo) publicado em janeiro de 2022, a taxa de rotatividade de funcionários da FDA em áreas científicas importantes foi o dobro de outras agências governamentais em 2007, deixando a agência incapaz de cumprir sua missão. Cerca de 70% dos funcionários de carreira da FDA que trabalhavam em 2008 eram elegíveis para se aposentar até o final de 2014. Além disso, em 2018, a equipa de produtos médicos em ocupações de “missão crítica” tinha salários pelo menos 20% inferiores ao salário médio do setor privado para as mesmas ocupações, contribuindo para a baixa moral.
Uma reportagem da Vanity Fair, de janeiro de 2021, indicou que as pressões do trabalho durante a pandemia levaram dois inspetores da FDA a se suicidarem.
O regulador português do medicamento, o Infarmed, tem igualmente um historial de falta de recursos humanos para a sua atividade de supervisão.
Em 2008, o Infarmed reconhecia que havia falta de técnicos para avaliar medicamentos antes de estes entrarem no mercado, mas recusava que isto estivesse na base dos poucos medicamentos aceites no ano anterior.
Em abril de 2019, o presidente do Infarmed alertava para a urgência de ter mais meios humanos para que fosse possível reforçar ações de inspeção e fiscalização.
Em maio de 2022, o Infarmed abriu concurso para o ingresso de 15 técnicos para três áreas: gestão, avaliação e vigilância de medicamentos e produtos de saúde; acessibilidade, uso racional e informação; e licenciamento, inspeção e controlo de qualidade.
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