«Quem não sabe história está condenado a repeti-la.». Por acaso alguma vez presenciou uma situação de maldade? Estranho, não é verdade? Porque todos já observámos e ou experimentámos situações dessas. Seria ingénuo pensar o contrário. Na verdade, a sociedade dita ocidental tem vivido até há bem pouco tempo a ilusão da felicidade porque optou por uma visão de matriz hedonista, e como tal, não exclui o uso da força sobre o outro. Não será verdade? Por acaso já ouviu falar do mantra «Bem-vindo a 2030: eu não possuirei nada, não terei privacidade e a vida nunca terá sido melhor.»?
Quando a revista Forbes publicou o célebre artigo de Ida Auken em 2016, esta política dinamarquesa estaria longe de imaginar que aquele mantra seria um sucesso de nível mundial. Desde então, esta ideia conquistou uns quantos, que consideram a existência humana como uma mera experiência consumidora e qualquer bem deve ser transformado num serviço, e horrorizou outros, pasmados com tamanha ousadia apocalíptica. Em todo o caso, quer goste ou não desta profecia dinamarquesa, qualquer cenário atual mundial converge para esse novo estado civilizacional – uma sociedade igualitária, sem propriedade privada e, por isso, mais justa, em nome do bem comum. Não tenha dúvidas, a não ser que …
Ora foi esta leitura atual do histórico mantra «bem comum», velho como a Sé de Braga na expressão popular, que me fez parar para pensar. Aquelas palavras faziam eco na minha memória sem que conseguisse, no imediato, chegar à origem do meu espanto!
Mas não restam dúvidas que a sabedoria popular é boa conselheira porque adormeci as ideias. Uns tempos depois recordei a tal origem. Eu bem sabia! Lá vinha de novo o Bossuet (se ainda não leu este teorizador da origem divina do poder real, está na altura de o fazer). E está mesmo na altura porque, quando der conta, não tem nada ou, como diz o povo, «está de tanga»!
E «está de tanga» por que razão? Alguém terá dito um dia que quando os povos livres adormecem correm o risco de acordar em ditadura! Ora, aí está! A ditadura da propriedade coletiva e «nem abre o bico»! Hoje deu-me para a espirituosidade, talvez porque o tema seja tão difícil e às vezes o humor é o melhor remédio contra a maldade humana …. Porque já estou mesmo a ver o que aí vem e o senhor ainda não abriu os olhos.
Mas voltemos ao bem comum. Isto tem muito que se lhe dita porque, ao longo da história, nem lhe conto o número de vezes que esta feliz expressão serviu interesses totalitários.
Se pensarmos em tempos históricos mais próximos de nós, constatamos que o absolutismo europeu é um bom exemplo do que pretendo transmitir sobre a verdadeira interpretação do mantra dinamarquês. Para ilustrar o argumento do bem comum a justificar este tipo de totalitarismo moderno, são inúmeras as gravuras que surgiram após a revolução francesa a «gozar o prato». E ficou na memória uma célebre imagem que hoje tem um lugar de destaque no Museu Carnavalet em Paris (uma belíssima instituição a visitar quando for a Paris se lá conseguir chegar, tal é a balbúrdia que vai pela Gália). O que representa ela? Muito sucintamente, observamos três pares de figuras representativas da ordem social do antigo regime. Um par representa um camponês a receber a bênção de um bispo. Outro par representa outro súbdito a pagar os impostos. Um terceiro par representa um nobre com um chicote na mão, agarrando um camponês. O título remata com fina ironia um dos mantras da época – «Ils ne voulaient que notre bien.» ou seja, em língua portuguesa, «Eles só querem o nosso bem.».
Mas pode haver ideia mais oposta à noção de bem comum? Como vê, antes e hoje só pensam no nosso bem. Mas, agora pergunto eu, uma boa intenção maligna tem cabimento? Ah! Já está a ver…. Pois é. De boas intenções está o inferno cheio e … por acaso, até foi por causa disso que Andrew Lobaczewski pensou escrever um tratado de ponerologia política que, aliás, escreveu. O título do livro é mesmo, veja só, Ponerologia Política: a ciência do Mal, da psicopatia e as origens do totalitarismo.
Então, o que há de novo com este livro? Deixe-me contar-lhe uma pequena história, porque a grande história também se faz com as mais pequenas. Segundo rezam as crónicas (é certo que a crónica não tem boa reputação como texto literário …), o primeiro manuscrito teria sido lançado na fogueira minutos antes da polícia política comunista polaca ter abordado o seu autor. Um segundo manuscrito teria sido entregue algures no Vaticano, mas teria desaparecido (nada como um bom mistério capaz de atrair Poirot ou Miss Marple)! Um terceiro chegou a Nova Iorque, mas a sua publicação não foi permitida. Há alguns anos foi, finalmente, publicado. E encontra-se disponível na internet.
Pela calada da noite, durante as experiências totalitárias nazi e soviética, o psiquiatra polaco Andrew Lobaczewski ensaiou várias hipóteses para explicar a maldade a partir da sua experiência clínica, e escreveu o livro. Referiu o génio do psicopata na sedução dos partidos políticos e dos meios de informação, ou na manipulação das massas para a legitimação de visões distorcidas e no seio das quais o genocídio, a repressão maciça ou o goulag surgem como um ideal de purificação social.
Este tratado espantou o mundo pela coragem da escrita. Aliás, Michael Rectenwald, o autor de Google Archipelago and Springtime Snowflakes, refere que se trata de um livro cuja leitura é essencial, quer para os intelectuais, quer para todas as gerações que foram vítimas do totalitarismo, passado ou atual. E Phillip Zimbardo (professor emérito de Psicologia na Universidade de Stantord e autor do Efeito Lúcifer), considera o livro do autor polaco como uma obra fascinante e essencial.
Ainda tem dúvidas sobre a importância de se ler Andrew Lobaczewski? Não tenha, pois há mais pontos de encontro entre a ponerologia e o «bem comum», versão gaulesa ou versão dinamarquesa. A maldade é mesmo muita. Depois não diga que não foi avisado. «Quem não sabe história está condenado a repeti-la.».