Nos últimos cinco anos, foram observados declínios preocupantes em matéria de direitos em países com bons desempenhos, como Portugal e a Eslovénia, que registam igualmente reduções nas liberdades civis, incluindo a liberdade de associação e de reunião e a liberdade de imprensa. Em 2023, 47% dos cidadãos da União Europeia inquiridos responderam estar “muito satisfeitos” ou “algo satisfeitos” com o funcionamento da democracia no seu país. Em contrapartida, 31% dos questionados diz estar “não muito satisfeitos” e 20% “nada satisfeitos”. Ou seja, 51% (mais de metade) dos cidadãos europeus não se identificam com o actual regime. (Comission, 2023)
No contexto nacional, verificou-se que 47% dos inquiridos não estão satisfeitos com o índice de democraticidade português. (Comission, 2023)
Portugal encontra-se no 31º lugar no índice de democraticidade da “Economic Intelligence”. Pormenorizando com dados, a entidade classifica o país luso da seguinte forma (numa escala de 0-10): (Intelligence, 2023)
⦁ Funcionamento do governo – 6.79
⦁ Participação política – 6,67
⦁ Cultura política – 6,88
Surpreendentemente, Portugal encontra-se abaixo de Israel, um país que enfrenta, actualmente, um conflito bélico com a Palestina. De notar, que um país neste contexto, normalmente, é mais vulnerável a operações psicológicas e desinformação, devido à dificuldade de se ter conhecimento profundo de ambos os intervenientes. Já em 2023, o índice democrático de Portugal foi de 7,75, o valor mais baixo da última década, em comparação com 2006 (8,16), houve uma descida de 5,02% nos níveis democráticos face a 2006. Igualmente, houve uma descida de 1,61% nos níveis de democracia de 2019 para 2020, ano em que surgiram os confinamentos e os estados de emergência decretas pelo Governo. (Intelligence, 2023)
Fides Publica
No que concerne à veracidade das notícias consumidas, 66% dos inquiridos da União Europeia entenderam que sofrem de desinformação com regularidade. (Comission, 2023)
Na opinião dos inquiridos, 36% da desinformação é proveniente da televisão, 36% dos jornais/revistas e 10% da rádio. Por outras palavras, mais de 1/3 da informação consumida nos principais órgãos de comunicação é percepcionada como desinformação.
Não obstante, os meios de comunicação “mainstream” continuam a revelar uma substancial adesão. Em paralelo, as fontes de informação alternativas ganharam terreno ao longo dos últimos anos, sendo mais predominante na plataforma X (antigo Twitter). (Newman, 2023)
Marketing aplicado ao Jornalismo
Na matriz infra, enquadrou-se o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias como jornais “vacas leiteiras”, dada a sua quota de mercado e estagnação. Já o jornalismo impresso está em declínio, os dados da Pordata mostram que, em 2022, a tiragem de periódicos por habitante foi de apenas 16,8 exemplares, uma queda drástica em comparação com os 34,5 exemplares por habitante em 1979. (PorData, 2024)
De seguida, colocou-se o Página UM e o The Blind Spot como jornais “cães”, ou seja, estão ainda na fase embrionária, mas revelam um enorme potencial de crescimento. Nota, o jornalismo independente representa um jornal isento, transparente, rigoroso, sem quaisquer financiamentos de empresas, estado, lobbies, fundações ou observatórios. Sendo assim, é um jornalismo alternativo, fracturante, factual e único no questionamento às “autoridades”.
Outrossim, jornais como o Polígrafo e o Observador revelaram uma significativa taxa de crescimento devido ao novo modelo de “verificação de factos”. Não apenas isso, o Observador também dinamizou o ecossistema mediático português com os seus formatos de podcasts, artigos interactivos e vídeos.
Por fim, o WikiLeaks caracteriza-se pelo seu jornalismo investigativo, de transparência e whistleblowing. Esta organização partilha as notícias numa biblioteca virtual, focando-se em temáticas sensíveis como espionagem, guerras e política. Dito isto, o WikiLeaks posicionou-se como um jornal “estrela”, pelo conjunto de fluxo humano e inovação jornalística que foi praticada nos últimos anos.
Quanto às 5 forças de Porter, na ameaça de novos players, o The Blind Spot e o Página Um estão representados devido à ameaça que representam para o jornalismo “mainstream”. No que diz respeito à ameaça de produtos substitutos, há que ter em conta a inteligência artificial. Esta, será capaz de colmatar ou, até mesmo substituir áreas deficientes de uma redacção ou empresa de jornalismo.
Destarte, o poder de negociação dos fornecedores consiste, por exemplo, na subcontratação de um repórter em cenário de guerra. Esta “transacção” é dispendiosa e o poder negocial estará sempre do lado contrário devido à frugalidade de profissionais e o perigo que representa cobrir este tipo de notícias. Finalmente, o poder de negociação dos clientes aquilatou-se, pois, a maior parte do conteúdo digital é gratuito. Posto isto, o cliente estará mais reticente em adquirir uma assinatura de um jornal.
O Novo Processo Civil
Neste novo capítulo, deve-se entender que uma notícia tem o mesmo modus operandi de um processo judicial. Ora, sendo assim, é possível efectuar-se um paralelismo entre fontes de informação e provas. Na lição de Castro Mendes, passo a citar:
“prova é o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na formação através do processo no espírito do julgador da convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como fundamento da mesma decisão.” (António Montalvão Machado, 2010)
Posto isto, um jornalista enquanto investigador terá de justificar a sua análise ou redacção através de diferentes meios de prova, entre eles, a prova documental, a prova por confissão das partes, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal. Assinalando-se os de maior importância, a prova documental são documentos electrónicos, físicos até públicos. Quanto à prova pericial, constam em perícias de uma multitude de naturezas: médicas, técnicas, psicológicas, científicas, ambientais, etc. Finalmente, as provas testemunhais representam depoimentos, testemunhos ou declarantes.
Infotainment
Nos últimos anos, assistiu-se a uma marginalização ou até mesmo eliminação de programação significativa. Por exemplo, em Portugal há uma escassez enorme de jornalismo investigativo, destacando-se, na mass media, apenas o programa “Exclusivo” com Sandra Felgueiras, difundido pela TVI. Presencia-se este fenómeno, pois as redes de televisão aprenderam que certos programas não vendem, e que por sua vez, têm de ser transmitidos com sacrifício financeiro. Além disso, estas escolhas poderão ofender anunciantes poderosos. Isto porque, o aumento do preço da publicidade, as receitas perdidas, a crescente pressão do mercado no sentido do desempenho financeiro e a diminuição das restrições regulamentares, converte o ecossistema mediático, gradualmente, num enfoque publicitário, excluindo e suprimindo conteúdo significativo em matéria de assuntos públicos (Herman & Chomsky, 1995). Por consequência, o meio jornalístico transforma-se em infotainment, ou seja, um aparato de soft news que fornece uma combinação de informação com entretenimento.
Churnalism
Churnalism é um jornalismo mimetizante, que se baseia na repetição de material obtido de fontes, tais como: comunicados de imprensa ou relatórios sindicais. A comunicação social valoriza muito as fontes oficiais, tal explica-se porque a obtenção informativa de fontes que se presumem credíveis reduz as despesas de investigação, ao passo que o material proveniente de fontes que não são à primeira vista fidedignas, ou que suscitarão críticas e ameaças, exigirão uma verificação cuidadosa e uma pesquisa dispendiosa (Herman & Chomsky, 1995).
“Para consolidar a sua posição preeminente como fontes, os promotores de notícias governamentais e empresariais esforçam-se por facilitar a vida às organizações noticiosas. Estes fornecem aos órgãos de comunicação social instalações para se reunirem; cópias antecipadas de discursos e relatórios futuros; conferências de imprensa a horas bem ajustadas aos prazos das notícias e comunicados de imprensa numa linguagem entendível.” (Herman & Chomsky, 1995)
Ademais, as burocracias que subsidiam os meios de comunicação social obtêm acesso especial ao gatekeeping, visto que contribuem para os custos empresariais, a aquisição de matérias-primas e a produção de fontes noticiosas. Passo a exemplificar, o primeiro-ministro Luís Montenegro pondera uma lei de mecenato na Comunicação Social, ou seja, teoricamente quem financiar o mecenato do jornalista poderá decidir e filtrar as temáticas a investigar pelo jornalista (Costa, 2024).
As fontes críticas poderão ser evitadas não só devido à sua menor disponibilidade e custo mais elevado de estabelecer a credibilidade, mas também porque as fontes primárias poderão ficar ofendidas, ameaçando os órgãos de comunicação que as utilizam (Herman & Chomsky, 1995).
Flak
Flak consiste nas reacções negativas a uma declaração ou programa dos meios de comunicação social. Este conceito, pode assumir a forma de cartas, telegramas, telefonemas, petições, processos judiciais, discursos, projectos de lei ou outras formas de queixa, ameaça e acção punitiva. Ora, o flak pode-se manifestar em três vertentes: nível central, nível local e acções totalmente independentes, compostas por indivíduos. Um exemplo foi o antigo jornal “O Independente”, que se caracterizava pelo seu estilo elitista, libertário, culto, satírico e provocador, altamente convidativo para a prática de flak. Esta abordagem editorial prejudicou o jornal com vários processos judiciais (Herman & Chomsky, 1995).
Caso o flak seja produzido em grande escala, por indivíduos ou grupos com recursos substanciais, este poderá ser incómodo e dispendioso para os meios de comunicação social. De igual modo, muitas vezes desencadeiam-se grupos de grassroots ou astroturfing. Passo a detalhar, o grupo “Extincton Rebellion” encorajou desobediência civil como pressão às medidas ambientais adoptadas pelo governo britânico.
Conclusão
Em súmula, observa-se uma crise no jornalismo tradicional muito devido à perda de democraticidade política, à desconfiança nas instituições noticiosas e à crescente adesão ao jornalismo alternativo e independente. Certos modelos mediáticos tornaram-se perfunctórios, dogmáticos e proselitistas na informação transmitida. Não obstante, a libertação de Julian Assange e o surgimento do novo canal televisivo “Now”, assinalam o início de um novo capítulo na forma como os públicos percepcionam e consomem os conteúdos programáticos.
Bibliografia:
António Montalvão Machado, P. P. (2010). O Novo Processo Civil. Almedina.
Commission, E. (1 de Março de 2023). Politics and the European UnionJustice and Home Affairs. Obtido de https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2966
Costa, R. N. (2024). Primeiro-ministro abre a porta a lei sobre mecenato na Comunicação Social. Jornal de Notícias. Obtido de https://www.jn.pt/2988608526/primeiro-ministro-abre-a-porta-a-lei-sobre-mecenato-na-comunicacao-social/
Herman, E. S., & Chomsky, N. (1995). Manufacturing Consent. Vintage Publishing.
IDEA, I. (Desconhecido de Desconhecido de 2023). The Global State of Democracy 2023. The Global State of Democracy 2023, p. 210. Obtido de https://www.idea.int/sites/default/files/2024-02/the-global-state-of-democracy-2023-the-new-checks-and-balances.pdf
Intelligence, E. (2023). Democracy Index 2023: The Age of Conflict. Obtido de https://pages.eiu.com/rs/753-RIQ-438/images/Democracy-Index-2023-Final-report.pdf?version=0
Newman, N. (14 de Junho de 2023). Overview and key findings of the 2023 Digital News Report. Obtido de https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/digital-news-report/2023/dnr-executive-summary#:~:text=On%20average%2C%20four%20in%20ten,news%20most%20of%20the%20time
PorData. (2024). Jornais e outras publicações periódicas: tiragem e circulação por habitante. Obtido de https://www.pordata.pt/Portugal/Jornais+e+outras+publicacoes+periodicas+tiragem+e+circulacao+por+habitante-588
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