A manufatura de uma psicose de massas e a construção mediÔtica da realidade

Joost Meerloo, médico e psicanalista holandês, trouxe para consideração escolÔstica a concetualização que a mecanização da vida moderna influenciou o homem a tornar-se mais passivo e a comportar-se com formalidade. Meerloo afirmava que o homem não principia as suas ações em valores pessoais em concordância com a sua própria consciência e avaliações éticas, mas sim com os valores que os meios de comunicação lhe apresentam. Jaques Ellul acrescenta mesmo a observação que o cidadão comum não tem tempo para se informar, sendo que por vezes nem capacidade tem para digerir devidamente a informação apresentada sem uma espécie de veredicto concludente.

O cidadão é evolvido num caleidoscópio onde milhares de imagens se sucedem. Cada imagem a ilustrar um assunto diferente, desaparecendo com a sucessão de uma nova ilustração. Esta passividade e dependência da comunicação social converteu o espectador no alvo mais apetecível na guerra de propaganda que ocorre nos meios de comunicação.

Utilizando o exemplo televisivo, entendendo-o como veĆ­culo predominante, podemos facilmente concluir que gera uma falsa sensação de relacionamento social com as personagens apresentadas. Ɖ uma ferramenta ideal para a promoção propagandĆ­stica, pois adquire intrinsecamente uma roupagem paternalista e austera.

Joost Meerloo – autor de Rape of the Mind, uma anĆ”lise de tĆ©cnicas de lavagem cerebral e controle do pensamento em estados totalitĆ”rios.

O professor da Universidade de Londres, Des Freedman, explica no seu artigoĀ Paradigms of Media PowerĀ que o poder mediĆ”tico Ć© o poder dos meios de comunicação de impor um discurso. O poder dos meios de comunicação Ć© uma relação entre instituiƧƵes, atores e contextos que representam forƧas económicas, polĆ­ticas, tecnológicas e culturais. Das relaƧƵes entre esses atores e as respetivas forƧas, emergem quatro paradigmas do poder dos ā€œmĆ­diaā€:Ā consenso, caos, controlo e contradição.

Edward S. Herman e Noam Chomsky modelaram um sistema de comunicação social denominado ā€œmodelo de propagandaā€ baseado no sistema mediĆ”tico dos EUA. Este modelo serve de paradigma inicial para quem pretende entender a sincronização entre os meios de comunicação privados e os poderes fatuais e institucionais. Para delinear o modelo, ambos os autores estudaram os caminhos pelos quais o dinheiro e o poder estabelecido eram capazes de incluir notĆ­cias diĆ”rias, a capacidade de marginalizar opiniƵes adversas e a eventual permissĆ£o para que o governo e grupos de poder divulgassem as suas mensagens ao pĆŗblico.

ā€œA nossa era Ć© a primeira em que milhares das melhores e mais bem treinadas mentes tĆŖm o trabalho em tempo integral de penetrar na mente coletiva. O objetivo agora Ć© entrar na mente para manipular, explorar e controlar. A intenção Ć© gerar calor e nĆ£o luz. Manter todos no estado de impotĆŖncia gerado pela atividade mental prolongada Ć© o efeito de muitos anĆŗncios comerciais e programas de entretenimento semelhantes.ā€

Este Ć© o prefĆ”cio da obraĀ The mechanical bride: Folklore of Industrial Man de MarshallĀ McLuhan, um dos grandes teóricos do sistema de comunicação social. Escrito em 1951, o livro Ć© uma coleção de ensaios sobre a relação calculista dos meios de comunicação com a simbologia, com as empresas e com o pĆŗblico. NĆ£o foi por acaso que McLuhan escreveu essa citação nem foi o resultado de reflexƵes abstratas. Edward Barrett, diretor doĀ Office of War Information, escreveu em 1953 que ā€œa rede social de ex-colegas com raĆ­zes na experiĆŖncia da guerra psicológica vai alĆ©m das ciĆŖncias sociais.

A conexĆ£o nos Estados Unidos e na Inglaterra entre ex-profissionais da propaganda e da guerra psicológica com os meios de comunicação privados Ć© algo devidamente documentado. Ɖ certamente a razĆ£o pela qual nos Estados Unidos, por exemplo, o pĆŗblico estĆ” menos ciente da influĆŖncia do governo no conteĆŗdo das notĆ­cias. Isso ocorre porque a propaganda Ć© camuflada sob o formato de notĆ­cias e o pĆŗblico comunga com a ilusĆ£o de que hĆ” liberdade de imprensa.

A relação entre os meios de comunicação e a psicologia chegou a tal ponto que surgiu dentro da disciplina académica de psicologia uma subdisciplina chamada psicologia mediÔtica, que liga a ciência da comunicação à psicologia. Como outras disciplinas que surgiram da psicologia, a psicologia mediÔtica nasceu devido à necessidade de aplicar o conhecimento psicológico fora do próprio ambiente académico. Uma das primeiras aplicações da psicologia na comunicação social foi a propaganda. No início do século XX as técnicas eram muito diretas, posteriormente os publicitÔrios aprenderam a usar técnicas psicológicas que lhes permitiam atingir os seus propósitos mais subtilmente, como associar sentimentos pessoais à propaganda exposta.

David Giles salienta que existe uma presunção que sugere que existem estereótipos sociais que influenciam sua representação nos meios de comunicação, porĆ©m o que ocorre Ć© precisamente o contrĆ”rio, pois Ć© o sistema de comunicação social que acaba por influenciar os estereótipos sociais. A ā€œmĆ­diaā€ influencia tĆ£o significativamente a nossa psicologia que sĆ£o os estereótipos da comunicação social que influenciam a realidade social da identidade de grupos e indivĆ­duos. Giles utiliza como exemplo ilustrativo o facto de que os homens aprendem o que Ć© ser um homem pela representação mediĆ”tica dos homens. A representação do homem pelos meios de comunicação Ć© baseada em representaƧƵes anteriores do respetivo meio, e nĆ£o em homens reais. O mesmo sucede com os outros grupos sociais. Por outro lado, a ficção de sĆ©ries e filmes Ć© tĆ£o real hoje que faz com que realidade e ficção se confundam na mente do pĆŗblico. Isso faz com que o pĆŗblico se identifique com personagens fictĆ­cias, gerando respostas irracionais do pĆŗblico na sua vida real. O pĆŗblico tende a imitar os comportamentos sociais que observa na ā€œmĆ­diaā€, sem perceber que esses personagens sĆ£o criaƧƵes ficcionais exageradas.

A primeira teoria sobre os efeitos da ā€œmĆ­diaā€ sobre o pĆŗblico foi aĀ magic bullet theory, tambĆ©m conhecida comoĀ hypodermic needle model. Ɖ uma teoria bĆ”sica de estĆ­mulo/resposta (E-R) que pressupƵe um indivĆ­duo isolado dos restantes membros da sociedade, permitindo uma relação direta e incontaminada entre o emissor e o recetor. Nesse modelo, a ā€œmĆ­diaā€ teria influĆŖncia direta sobre o indivĆ­duo recetor.

A segunda teoria sobre os efeitos da mídia de massa seria a dos efeitos mínimos (minimal effects ou two step flow). Este segundo modelo surgiu do estudo de eventuais experimentações psicológicas desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial. Essas experimentações expuseram os soldados americanos a filmes de propaganda na tentativa de mudar as suas visões sobre a guerra. Os filmes deixaram os soldados mais informados sobre os motivos da guerra, mas as opiniões sobre a guerra não variaram como sugeria a primeira teoria. Essa experimentação com filmes, denominado Why We Fight, mudou a noção de que os meios de comunicação produziam efeitos homogéneos na sociedade e introduziu a noção de que outras variÔveis, como nível de escolaridade ou opinião inicial, influenciavam o resultado da exposição à propaganda.

Anos depois,Ā The People’s Choice: How the Voter Makes Up His Mind in a Presidential Campaign, de Bernard Berelson e Paul Lazarsfeld, revelou que a mensagem veiculada em diferentes formatos de comunicação social nĆ£o teve efeito direto sobre o pĆŗblico, mas sim que a influĆŖncia foi exercida quando a mensagem foi transmitida por lĆ­deres de opiniĆ£o, criando assim um efeito de duas etapas na persuasĆ£o. O efeito cristalizou em 1955 com o estudoĀ Personal Influence, e Joseph Klapper, anos depois, sugeriu que a exposição Ć  comunicação social reforƧara as opiniƵes anteriores em vez de as alterar. Klapper tambĆ©m sugeriu que havia variĆ”veis no ambiente do pĆŗblico que poderiam alterar o resultado do efeito.

Para o autor, um monopólio da propaganda, visto como uma visão única representada na comunicação social sem interrogações, só poderia ocorrer se o público estivesse predisposto a essa opinião e se os formadores de opinião a compartilhassem. Klapper também sugere, como vimos, que a persuasão da comunicação social reforça os conceitos anteriores, em vez de mudÔ-los. Enquanto o modelo de efeitos diretos nos deu um modelo bÔsico de estímulo-resposta (E-R) com uma audiência passiva, o modelo Kappler ofereceu um modelo complexo de orientação-estímulo-raciocínio-orientação-respostas (O-E-R-O-R) com uma audiência ativa.

Paul Lazarsfeld – Sociólogo americano. As muitas contribuiƧƵes de Lazarsfeld ao mĆ©todo sociológico fizeram com que lhe fosse atribuĆ­do o tĆ­tulo de ā€œfundador da moderna sociologia empĆ­ricaā€

Paul Lazarsfeld indicou que a mentalidade do público de rÔdio difere da mentalidade do público da imprensa escrita. Nesse sentido, Neil Postman, sociólogo americano, aponta como a televisão mudou o discurso público. Postman destaca que a forma como nos comunicamos afeta a nossa maneira de pensar, o conteúdo do pensamento e a cultura. Postman explica que membros de culturas orais pensam e comunicam questões diferentes dos membros de culturas onde existe comunicação impressa. Nas culturas com comunicação impressa, a ênfase estÔ na lógica, linearidade e exposição. Postman ainda continua afirmando que a televisão trabalha com imagens que evocam emoções e que a imagem estÔ hierarquicamente mais elevada que o argumento. Os noticiÔrios noturnos apresentam informações não relacionadas e desconexas. Como na sociedade de massas, a linearidade cartesiana caiu na apresentação das notícias, impedindo a audiência de ter algumas coordenadas que lhe permitissem refletir.

Para Postman, a televisão atende ao princípio do entretenimento, sendo as notícias um espetÔculo. A televisão mudou a maneira como vemos a realidade. A televisão mudou a própria realidade a tal ponto que a distinção entre entretenimento e notícias se tornou artificial. A mentalidade da audiência televisiva era mais sensível às informações que recebia do que a do rÔdio e da imprensa escrita. O processo cognitivo para pessoas menos capazes é mais sugestionÔvel por meio do impacto emocional das imagens.

Neil Postman – Autor, educador, teórico da comunicação social e crĆ­tico cultural

Denis McQuail, sociólogo britânico e estudioso dos processos de comunicação, sugere que os meios de comunicação de massa têm influência nas campanhas políticas e comerciais, na criação da realidade e das normas sociais, na geração de reação social e na provocação de mudanças institucionais, bem como nas mudanças culturais.

O autor acredita que a comunicação social pode ser uma ferramenta poderosa para quem a controla, pois pode chamar a atenção para questões que sejam convenientes, ignorando outras. Os meios de comunicação conferem legitimidade e são canais de persuasão e mobilização, assim como podem constituir públicos e mantê-los, além de oferecer uma recompensa psíquica através de utilizações e gratificações.

O autor continua sugerindo que a comunicação social é uma ferramenta rÔpida, flexível e relativamente fÔcil de ser planeada e controlada. Desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, as campanhas políticas televisionadas indicam que os Estados Unidos (e por extensão a sua esfera de influência) aceitaram slogans, imagens fortes e apelos emocionais como se fossem informações úteis para julgar o governo ou um estilo de vida. Na Segunda Guerra Mundial, os pósteres tentaram, por indução emocional, explicar a complexidade da guerra. A propaganda repetida inúmeras vezes ao longo do tempo e em vÔrios canais molda a realidade e limita a crença de que pode haver outras alternativas. As imagens tornaram-se uma ferramenta para relatar eventos em todo o mundo. Elas podem dar diferentes sentidos ao mesmo assunto. As imagens criam pontos de referência para o público.

Denis McQuail – Teórico britĆ¢nico da comunicação, considerado um dos estudiosos mais influentes no campo dos estudos de comunicação de massa.

A visão de jornalistas usando mÔscaras de gÔs na Guerra do Golfo Pérsico não influenciava a realidade de que não havia ataque com gÔs, a imagem ditava que o ataque era real. Conforme refletido anteriormente, na tela, a hierarquia cognitiva começa com a imagem, seguida pelas manchetes escritas também visuais e depois o Ôudio.

A natureza televisiva impede a profundidade e o raciocĆ­nio. SĆ£o as imagens que penetram na audiĆŖncia. O principal efeito do conteĆŗdo proveniente da comunicação social Ć© substituir o mundo real por simulaƧƵes hiper-realistas do mundo. Uma frase atribuĆ­da a um ministro da Informação israelense diz: ā€œSem televisĆ£o nĆ£o se pode vencer uma guerraā€. Ɖ por isso que McQuail propƵe uma quarta etapa nos efeitos da comunicação social – a etapa da construção da realidade. Dentro da construção da realidade, o paradigma construtivista diz-nos que cada pessoa constrói a sua realidade a partir dos conteĆŗdos mediĆ”ticos que consome, embora seja difĆ­cil escapar Ć s orientaƧƵes gerais dos meios de comunicação de massa.

O mimetismo entre a simbologia publicada e o comportamento social é um fato observÔvel e testÔvel desde o início da difusão do sistema da comunicação social. Controlar a mente do público é dominar uma sociedade inteira por meio da sugestão ficando a coerção relegada ao uso marginal pela dissidência.

GonƧalo Alves da Cunha

Escritor, fundador do programa palavra de honra e co-fundador do MƩdia Ɓurea

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