Quando hĆ” dois anos se comeƧou a falar na pandemia eu, tal como a maioria, ācompreiā grande parte da história que era contada. Como nĆ£o acreditar nas imagens de pessoas a caĆrem mortas na rua, de dezenas de caixƵes apinhados e de uma infinidade coerente de relatos que descreviam um cenĆ”rio catastrófico?
AlĆ©m da encenação mediĆ”tica e das notĆcias falsas ou descontextualizadas, havia claro, um fundo de verdade e em alguns locais viveram-se situaƧƵes dramĆ”ticas. AliĆ”s, tal como acontece nas pandemias em geral (e tivemos duas relativamente severas na segunda metade do sĆ©culo anterior e uma mais ligeira no inĆcio deste).
Acontece que Ć© hoje evidente que esse impacto inicial foi tambĆ©m agravado por fatores independentes do vĆrus.
Figuras do topo da hierarquia da OMS, como o seu diretor-geral, tĆŖm muita responsabilidade por terem transmitido dados totalmente errados sobre as caracterĆsticas do vĆrus (letalidade muito alta, transmissibilidade muito baixa, ausĆŖncia de assintomĆ”ticos).Ā Ā
Essa informação contribuiu para que a resposta fosse inadequada em quase todos os nĆveis e em praticamente todos os paĆses.
Começando pelos protocolos seguidos, excessivos e desajustados para o tipo de agente em questão (e que ajudaram a criar o caos em muitos serviços) até aos próprios tratamentos.
Criou-se a tempestade perfeita de desinformação, alarmismo e pânico, muito alimentada pela comunicação social de massas e redes sociais.
Mas esses locais, em que a situação foi mais grave (e mediatizada), passaram a servir de referĆŖncia do impacto da pandemia a nĆvel global. Refiro-me a regiƵes como a Lombardia ou Nova Iorque . Pouco se falou de caracterĆsticas especĆficas dessas zonas ou da resposta que ajudou a agravar a situação. TĆ£o pouco se tentou perceber porque em milhares de outros locais (mesmo dentro desses paĆses) nada de parecido tenha ocorrido.
Se alguns foram contaminados pelo vĆrus, quase todos foram contaminados pelo medo desproporcionado. Pessoal mĆ©dico,gestores hospitalares, polĆticos e a população em geral reagiram nĆ£o de acordo com o risco real (muito significativo para alguns grupos) mas de acordo com uma perceção de risco dezenas, centenas ou, em alguns casos, milhares de vezes superior Ć realidade.Ā
Medidas draconianas
Criara-se uma dinĆ¢mica imparĆ”vel. Quem nĆ£o tomasse as mesmas medidas dos vizinhos, era imediatamente trucidado pela comunicação social e pelos seus āespecialistasā, bem como pela grande maioria das pessoas que, naturalmente, acreditava no que via e ouvia por todo lado.
AtĆ© porque os que queriam apresentar uma visĆ£o diferente, factos ou evidĆŖncia cientĆfica eram simplesmente postos de lado, censurados ou mesmo perseguidos.
Questionar a āverdade oficialā tornou-se um crime.
Por isso, os governos optaram, com maior ou menor relutância, por replicar as medidas mais draconianas, mesmo sem evidências que as validasse e com efeitos colaterais necessariamente devastadores. Os riscos de não o fazer seriam simplesmente incomportÔveis.
Confinamentos, fecho de escolas, fecho do comĆ©rcio, testes em massa, mĆ”scaras (inclusive ao ar livre), certificados digitais e toda uma panóplia de medidas foram sendo implementadas, paĆs após paĆs.
Os āespecialistas televisivosā reforƧaram essa necessidade, atĆ© porque a maioria dos mais cĆ©ticos hĆ” muito que tinha sido excluĆda. Formou-se, desta forma, um aparente acordo geral sobre as medidas e um falso āconsenso cientĆficoā.
Pseudo-especialistas, vindos de outras Ć”reas e com um manifesto desconhecimento sobre epidemiologia, ou com formação relevante, mas com fortes conflitos de interesses, passaram a ser a āvoz da ciĆŖnciaā. Tudo que contrariasse a sua narrativa (que, em muitos casos, seria facilmente desmentida se existisse contraditório) passou a ser apelidado de negacionismo e atacado por todos os meios.
Aqueles que mentiram descaradamente, por exemplo, inventando situações dramÔticas inexistentes ou fornecendo informação falsa sobre o estado de desenvolvimento de vacinas, não foram punidos legalmente por tais ações, nem sequer repreendidos. E, pelo contrÔrio, continuaram a ser ouvidos pela comunicação social e pelo governo.
Para se justificar tudo o que era feito, usaram-se correlações de circunstância e evidência de baixa qualidade. Quando as previsões falharam (e falharam quase sempre), em vez de se questionar as medidas que as suportavam, faziam-se ajustamentos ad hoc para justificar o seu falhanço. A eficÔcia das medidas passou a ser mais um dogma, e como tal inquestionÔvel.
As fases com mais casos justificavam-se com a falta de (ainda) mais medidas, novas variantes ou pelos comportamentos irresponsĆ”veis de alguns, que ousavam fazer coisas como passear na rua sem mĆ”scara ou nĆ£o respeitar a distĆ¢ncia āde seguranƧaā na praia.
Por outro lado, as fases mais tranquilas eram a demonstração inequĆvoca de que as medidas funcionaram. Em Portugal, governo e comunicação social dividiram, em vĆ”rios momentos, os louros da āderrota do vĆrusā.Ā
Ignorava-se desta forma, conhecimentos de muitas dƩcadas, como os relativos ao papel da imunidade comunitƔria ou da sazonalidade.
Sob a mĆ”scara da ciĆŖncia entrĆ”mos num perĆodo tudo menos cientĆfico. A sistemĆ”tica ocultação e o uso de informação fragmentada, por governos e instituiƧƵes, para justificar medidas fez-nos entrar num perĆodo de profundo obscurantismo.
Nesse sentido, a evidĆŖncia de alta qualidade foi ignorada. Os casos do Ćŗnico RCT sobre mĆ”scaras publicado durante a pandemia (especificamente para o SARS-CoV-2), que confirmou os resultados de muitos anteriores (eficĆ”cia nula ou residual contra vĆrus respiratórios), e da revisĆ£o sistemĆ”tica da Cochrane sobre o tema foram dois dos exemplos.
TambĆ©m os efeitos colaterais das medidas tenderam a ser menosprezados ā na saĆŗde, na educação, na economia, nos direitos bĆ”sicos dos cidadĆ£os.
A mortalidade geral, de longe oĀ indicador mais fiĆ”vel do impacto de uma pandemia (e da reação Ć mesma) foi ignorado. O facto de Portugal ser um dosĀ paĆses com maior excesso de mortalidade da Europa Ocidental e da SuĆ©cia, sem medidas draconianas nem mĆ”scaras, dos paĆses com menor (o Ćŗnico com deficit em 2021) nĆ£o passou em qualquer dos grandes órgĆ£os de comunicação social, nem mereceu reflexĆ£o por parte de qualquer polĆtico, jornalista ou comentador. Foi simplesmente ignorado por nĆ£o encaixar na narrativa.
As crianƧas
Mas talvez o mais chocante destes dois anos tenha sido a forma como as crianƧas foram tratadas.
Ao contrĆ”rio de outros vĆrus, desde cedo se percebeu que o vĆrus era, em geral, benĆ©volo para elas e que o seu papel na transmissĆ£o era reduzido. Mesmo Ć luz de contagens muito inclusivas, a taxa de letalidade revelou-se residual e a transmissĆ£o parecia partir principalmente dos adultos (ou maiores de 16 anos).
Ainda assim, durante muitos meses, lanƧou-se o terror psicológico sobre crianƧas que, de repente, passaram a ser potenciais āassassinosā, tendo lhes sido impostas inĆŗmeras medidas castradoras do seu desenvolvimento, educação e bem-estar.
Em vez de se protegerem os vulnerĆ”veis (que quisessem ser āprotegidosā) lanƧou-se, mais uma vez sob a capa do ābem comumā, um ataque sem precedentes aos que menos se podem defender.
O fecho de escolas foi a reação de todos os paĆses europeus, exceto a SuĆ©cia. A Noruega reconheceu rapidamente o erro e outros, como a SuĆƧa, nĆ£o voltaram a repetir a medida (mesmo quando os casos disparam). Outros só agora o estĆ£o a comeƧar a reconhecer.
Os certificados de vacinação fizeram muitos jovens tomar decisƵes mĆ©dicas a contragosto (deles, dos pais ou atĆ© dos seus pediatras) para poderem praticar desporto, viajar ou ter uma vida social normal. Isto apesar da reconhecida ineficĆ”cia da vacina para impedir a transmissĆ£o do vĆrus, das possĆveis reaƧƵes adversas (entretanto divulgadas) e do risco Ćnfimo da doenƧa em crianƧas saudĆ”veis.
Ainda hoje, muitos jovens passam horas com mÔscaras na escola, sem qualquer evidência de qualidade que suporte a medida e sem que tenha existido qualquer esforço para a testar. O primeiro grande estudo feito recentemente nas escolas da Catalunha aponta, mais uma vez, para a sua ineficÔcia.
O novo normal
Parece, no entanto, que pouco se terĆ” aprendido com os inĆŗmeros erros cometidos. Pelo contrĆ”rio, muitos decisores perceberam que este tipo de medidas pode ser implementado no futuro, seja ainda com o SARS-CoV-2, com outro vĆrus respiratório ou com qualquer nova emergĆŖncia (real ou artificial).
āSerĆ” este o āNovo Normalā?
Em que o jornalismo abdica de fiscalizar o poder polĆtico e económico para passar a ser o seu porta-voz?
Em que os media criam narrativas para satisfazer interesses do poder polĆtico ou de grupos económicos (dos quais tĆŖm forte dependĆŖncia)?
Em que se censura e persegue todo aquele que não segue o guião oficial ou mediÔtico?
Em que as grandes plataformas digitais decidem que conteĆŗdos sĆ£o promovidos ou ācanceladosā?
Em que grande parte da comunidade cientĆfica abdica do seu papel de rigor, objetividade e independĆŖncia e passa a ser instrumentalizada por quem a financia?
Em que os valores que levaram ao desenvolvimento das sociedades ocidentais sĆ£o substituĆdos por outros tĆpicos de regimes autoritĆ”rios ou ditatoriais?
Se Ć© este o Novo Normal de que muitos falam ā¦
NĆ£o, obrigado!