Infeção a SARS-CoV-2 em idade pediÔtrica: esclarecimento para os pais e cuidadores

O termo COVID-19 (Coronavirus disease 2019) foi nomeado pela Organização Mundial de SaĆŗde (OMS) e refere-se a uma doenƧa infeciosa pandĆ©mica detetada pela primeira vez em 2019, provocada por uma estirpe de coronavĆ­rus (SARS-CoV-2 – Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2).

A infeção por SARS-CoV-2 na idade pediÔtrica pode manifestar-se como doença aguda (COVID-19), ou muitas vezes, não apresentar qualquer sintoma, sabendo-se que as crianças estão infetadas apenas pelo resultado positivo de um teste de PCR.

Na doença aguda quando hÔ sintomas os mais frequentes são: tosse, dor de garganta, febre, diarreia, dores de cabeça. Nas crianças mais pequenas pode haver sinais de dificuldade respiratória e/ou recusa alimentar. Mais raramente, pode manifestar-se por doença grave, com pneumonia, associada ou não a infeção disseminada pelo corpo todo (que se designa de sepsis) e em casos raros, sobretudo nos adolescentes, pode evoluir para síndrome de dificuldade respiratória aguda (ARDS- semelhante à doença grave no adulto). A maioria (50-80%) das crianças com COVID-19 tem um contacto muito próximo, muitas vezes domiciliÔrio.

Existem alguns grupos de doentes considerados de risco, ou seja, mais suscetíveis para ter uma doença de maior gravidade, que necessitam de uma avaliação e um acompanhamento mais pormenorizado, caso a caso.

Os grupos de maior risco são os de crianças e adolescentes com:

– DoenƧa respiratória crónica (como a fibrose quĆ­stica ou a asma brĆ“nquica grave)

– DoenƧas cardĆ­acas congĆ©nitas (que jĆ” existem ao nascimento) complicadas ou secundĆ”rias a outras doenƧas (como por exemplo a insuficiĆŖncia cardĆ­aca)

– ImunodeficiĆŖncias (diminuição das defesas) – secundĆ”rias a tratamentos como a quimioterapia ou imunossupressores, ou a falta de defesas primĆ”ria por doenƧa desde o nascimento.Ā 

Na doenƧa COVID-19 ligeira habitualmente nĆ£o Ć© necessĆ”rio fazer exames complementares nem recorrer ao hospital. DeverĆ” ser efetuada vigilĆ¢ncia e tratamento sintomĆ”tico no domicĆ­lio, com contato para o MĆ©dico de FamĆ­lia/Pediatra Assistente e para a SaĆŗde 24 – Monitorização Trace COVID-19.

Devem utilizar-se antipiréticos como o paracetamol, se houver febre ou dor. Os xaropes para a tosse não estão recomendados. Se a criança tiver menos apetite não se deve forçar a alimentação, mas é importante garantir a ingestão de líquidos (Ôgua, leite, iogurte). 

Se as queixas respiratórias ou do aparelho digestivo forem mais exuberantes, com sensação de falta de ar ou respiração muito rÔpida, vómitos que se mantêm, diarreia muito abundante ou febre persistente, então a criança deverÔ ser observada no Serviço de Urgência.

Embora a infeção a SARS-CoV-2 seja a maior parte das vezes ligeira e não preocupante, raramente alguns casos podem evoluir para um envolvimento de vÔrios órgãos e sistemas do corpo e apresentar uma doença mais grave, que é diferente da doença dos adultos.

Desde Maio de 2020, ou seja alguns meses depois do inĆ­cio da pandemia, comeƧaram a ser descritos nas crianƧas uns sinais e sintomas diferentes do quadro agudo respiratório. As primeiras descriƧƵes ocorreram em Inglaterra e ItĆ”lia, surgindo rapidamente relatos em todo o Mundo de uma sĆ­ndrome denominada SĆ­ndrome Inflamatória MultissistĆ©mica em CrianƧas – em inglĆŖs: Multisystem Inflammatory Syndrome in Children – MIS-C (ou PIMS-TS na terminologia inglesa), que corresponde a uma situação de hiperinflamação generalizada que pode afetar vĆ”rios órgĆ£os.

A incidência ainda é desconhecida, assistindo-se a um aumento tipicamente 4-6 semanas após um surto de COVID-19 na comunidade em geral.

Pensa-se que possa ser resultado de uma resposta desregulada do sistema imunitÔrio após a infeção aguda pelo vírus. O tempo que decorre entre a infeção aguda pelo vírus e o aparecimento desta síndrome pode ser variÔvel e nem sempre é conhecida, uma vez que a infeção inicial é, na maioria dos casos, assintomÔtica. 

Esta doenƧa tem sido mais frequente entre os 6 e os 15 anos, mas pode ocorrer em qualquer idade. Os doentes apresentam sintomas como:

  • febre mantida
  • vómitos, diarreia, dor abdominal
  • alteraƧƵes na pele – manchas vermelhas, pele quente, Ć”spera, com comichĆ£o
  • olhos vermelhos, gĆ¢nglios aumentados
  • dor torĆ”cica, cansaƧo

 A Síndrome Inflamatória Multissistémica PediÔtrica pode ser grave, com envolvimento respiratório e cardíaco. O diagnóstico é feito com base nos sintomas e exames complementares de diagnóstico que incluem anÔlises ao sangue, exames ao coração como a ecografia cardíaca e o ECG (electrocardiograma) e a confirmação de infeção prévia por SARS-CoV-2 com pesquisa de PCR e serologia (doseamento de anticorpos no sangue) 

A suspeita ou confirmação do MIS-C implica internamento hospitalar para monitorizar e/ou tratar complicações, com abordagem multidisciplinar (avaliação clínica por pediatras de diferentes Ôreas). Pode ser necessÔrio iniciar tratamento com corticoides e outros medicamentos específicos para diminuir a resposta inflamatória.

O prognóstico ainda é incerto por se tratar de uma doença recente. Em Portugal, até à data, todas as crianças e adolescentes internados com MIS-C tiveram alta sem complicações, embora um grande número de doentes tenha necessitado de tratamento numa Unidade de Cuidados Intensivos PediÔtricos.

As complicações a longo prazo ainda são desconhecidas e por isso mesmo após a alta mantém-se um seguimento em consulta de Cardiologia e Infeciologia PediÔtricas.

Vacina contra a Covid-19 em idade pediÔtrica 

A questĆ£o da vacinação nas crianƧas ainda Ć© motivo para alguma incerteza, sobretudo nas idades mais jovens. Atualmente estĆ” provado que a vacina Ć© segura e eficaz para evitar doenƧa COVID-19 grave. Por essa razĆ£o, mesmo com diferentes estirpes circulantes, algumas para as quais a vacina nĆ£o foi estudada, tem-se demonstrado uma franca redução dos internamentos hospitalares e da mortalidade na idade adulta, sobretudo nos mais idosos e com fatores de risco. Uma das Ćŗltimas estirpes a ser identificada, a Ɠmicron, jĆ” provou ser capaz de infetar mais rapidamente e em maior nĆŗmero, em todas as idades. Mas felizmente, tem tido um comportamento menos agressivo.

Sabemos hoje que nos adolescentes mais velhos, com estilos de vida e risco semelhantes aos adultos, faz todo o sentido vacinar, mesmo quem jÔ teve a doença, garantindo uma produção de anticorpos de memória, que são úteis para melhorar as defesas em caso de nova infeção.

Nas idades mais jovens é que a decisão de vacinação poderÔ ser mais complexa, pois por um lado estÔ provado que a vacina atual não previne a infeção, apenas a doença grave e morte. Como a maioria das crianças não tem tido até à data doença grave, é discutível o seu interesse nas crianças saudÔveis, mesmo assumindo-se a segurança da vacina a longo prazo. Nas crianças com doenças crónicas importantes considera-se que o benefício é maior que o risco, sendo indiscutível a sua recomendação atual.

Se num futuro próximo passar a existir uma vacina que previna a infeção, ou se for possível demonstrar que a vacina atualmente existente é eficaz a prevenir a Síndrome Inflamatória Multissitémica (MIS-C), então nesse caso farÔ sentido passar a recomendar a vacinação universal de todas as crianças.

Como até à data não temos dados científicos inequívocos desse facto, devemos ter alguma prudência na vacinação dos mais novos, devendo a decisão ser tomada caso a caso, entre os pais e os médicos assistentes das crianças.

Dra. Cristina Camilo, Presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos PediƔtricos

Leia tambƩm a entrevista com a Dra. Cristina Camilo, disponƭvel no nosso site.

Bibliografia:

  1. CDC COVID-19 Response Team. Coronavirus Disease 2019 in Children — United States, February MMWR/ April 10, 2020 / 69(14);422–426
  2. Bhimraj A, Morgan R, Shumaker A et al. Infectious Diseases Society of America Guidelines on the Treatment and Management of Patients with COVID-19 Infection. www.idsociety.org/COVID19guidelines
  3. WHO (2020). Laboratory Testing for 2019 novel Coronavirus in suspected human cases. WHO. DisponĆ­vel em: https://www.who.int/publications-detail/laboratory-testing-for-2019-novel-coronavirus-in-suspected-human-cases20200117
  4. DGS Norma nĀŗ 004/2020 de 23/03/2020 atualizada a 05/01/2022
  5. DGS Norma nĀŗ 002/2021 de 30/01/2021 atualizada 14/12/2021
  6. DGS  Orientação nº 015/2020 de 23/03/2020