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Editorial- Há motivo para indignação, mas não pela resposta de que se fala

A resposta de uma responsável da Pfizer de que não existiam estudos sobre a transmissão da doença no início da campanha de vacinação está a levantar uma onda de revolta e a indignação em alguns deputados europeus e em muitos cidadãos. Mas essa resposta não deveria ser surpresa, os ensaios clínicos que suportaram a autorização provisória apenas se baseavam num “end point”- a infeção sintomática moderada. Já que isso sempre foi público, o que os eurodeputados deveriam ter perguntado era em que evidência (posterior) se baseou a limitação das liberdades individuais.

Confesso que fiquei surpreendido com a reação geral ao facto de a responsável da Pfizer ter dito que não existiam estudos sobre a transmissão da doença aquando da introdução da vacina no mercado. Isto porque, ele não poderia ter respondido de outra maneira. Os ensaios clínicos que levaram à sua autorização condicional pelos reguladores apenas se centraram na infeção sintomática.

Existem muitas coisas por onde se pode pegar para criticar os ensaios clínicos das farmacêuticas, mas era claro que eles apenas estavam centrados na eficácia da infeção sintomática da doença. 

Foi isso que os governos lhes pediram. A FDA estabeleceu a eficácia mínima de 50% contra infeção sintomática e recomendou (pág. 13) que os “end points” (resultados finais estudados) primários ou secundários (com ou sem testes de hipótese formal) sejam definidos como a confirmação de infeção por SARS-CoV-2 com um ou mais dos seguintes sintomas(…). Entre os sintomas constavam: “Febre ou calafrios”. “Tosse”, “Falta de ar ou dificuldade em respirar”, entre outros.

A indústria (nove empresas na altura) orientou-se obviamente para essas indicações, até porque o “prémio” era elevado e esse seria provavelmente o tipo de resultado mais fácil de alcançar.

Num editorial do BMJ, Peter Doshi argumentava que os ensaios clínicos que estavam a ser finalizados na altura, além de não analisarem a transmissão, nem sequer podiam dizer se as vacinas “salvavam vidas”. Simplesmente não estavam desenhados para esse efeito.

Por isso mesmo, os resultados anunciados nos ensaios clínicos iniciais pelas várias farmacêuticas foram sempre respeitantes à prevenção de infeção sintomática.

As perguntas que ficaram por fazer

Visto isto, mesmo valorizando muito o seu trabalho de escrutínio, a indignação do eurodeputado Robert Roos por causa da resposta da responsável da Pfizer não faz grande sentido.

Mas Isto quer dizer que não devemos estar indignados? Será que o que aconteceu, não foi de facto, um escândalo?

É que a grande questão não se prende com os ensaios clínicos que deram origem à distribuição das vacinas. Isso foi muito antes da imposição de restrições aos não vacinados. A grande questão é em que evidências posteriores, entidades como a comissão europeia, se basearam para incentivar esse tipo de medidas.

Tal como em muitas outros temas pandémicos, estudos de baixa qualidade ou dados observacionais, especialmente de Israel, levaram alguns a tirar conclusões precipitadas. Essa evidência de fraca qualidade (correlação não é causalidade) foi tomada como a prova de que a transmissão era bloqueada. Isto, apesar de tal ser altamente improvável, nomeadamente por se tratarem de vacinas intramusculares.

Políticos, comentadores, jornalistas, responsáveis internacionais de saúde (como Anthony Fauci), médicos (como Flipe Froes) ou (pseudo) autoridades na matéria (como Bill Gates) desinformaram as populações com a ideia de que a vacina “bloqueava a transmissão”.

Em Portugal, num artigo intitulado “As vacinas não previnem a infeção e a transmissão”, os médicos António Pedro Machado e Tiago Marques desmontaram totalmente essa ideia em Agosto de 2021.

Ao contrário de outras áreas, o abuso de evidência sofrível e a manipulação da chamada “real world data” tornou-se demasiado evidente e a verdade propagada caiu com estrondo.

Inúmeros estudos começaram a relatar “a relevância epidemiológica dos vacinados” e a “real world data” de países altamente vacinados como Gibraltar ou Israel, desmentiam a ideia de que a vacina prevenia significativamente a transmissão (e a infeção).

Para além disto, a experiência individual e o facto de personalidades publicas “cercados por vacinados” apanharem repetidamente a doença, tornaram essa ideia insustentável.

Rapidamente passamos para a fase do “sempre se disse que o objetivo era não ter doença grave, nunca a infeção e a transmissão”.

Nova evidência, a mesma política

O grande escândalo não foi, portanto, não existir evidência sobre transmissão no início. Foi, muito depois, quando existia evidência de que não a diminuía, ou diminuía pouco, continuarem-se a tomar políticas de restrição de direitos aos não vacinados, depois aos não “reforçados”.

Factos agravados por se saber que a vacinação tem riscos a curto prazo (especialmente significativos para os adolescentes e jovens adultos) e riscos desconhecidos a longo prazo.

O facto de se estar a também a desvalorizar a imunidade adquirida, que é a maior forma de proteção, deixa pouco espaço para outra conclusão que não seja a de que se estão a impor medidas por outros motivos, que não os de saúde pública.

Portanto, mesmo que, neste caso, os argumentos originais sejam pouco sustentados, existem motivos reais para a indignação e a preocupação manifestadas.

No entanto, os políticos que (muito bem) procuram finalmente escrutinar o que foi feito nos últimos anos, devem tentar manter o máximo rigor e objetividade.

Devem estudar melhor os assuntos e evitar populismos, que não só os descredibilize a eles como a todos os que os seguem com entusiasmo.

Até porque também eles são necessários e também eles têm muito por onde pegar.

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