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Marta Gameiro: “Há uma certa vergonha em se assumir que se pode estar em dúvida”

Marta Gameiro, Presidente da Comissão Organizadora do Congresso Internacional de Gestão de Pandemias/Saúde. Foto de Luís Dias

A organizadora do Congresso Internacional de Gestão de Pandemias considera que há uma “clara censura nas principais redes sociais” e que vivemos “uma nova inquisição”. Marta Gameiro considera que há liberdade de expressão mas que falta liberdade de imprensa. Quanto aos médicos, acha que têm “uma certa vergonha em assumir que podem ter dúvidas” e que “o corporativismo fala mais alto”. Sobre o ativismo, considera que “ninguém está para criar caos na sua vida a troco de nada, na esperança que algum dia resulte em alguma coisa”.

O congresso decorreu no final de outubro, em Fátima, e contou com cerca de 60 palestrantes e 700 participantes nos três dias de debate. O congresso pretendeu dar espaço ao contraditório sobre a forma como foi gerida a pandemia covid-19 e o estado atual do Serviço Nacional de Saúde.

Marta Gameiro é a presidente da comissão organizadora e médica dentista e esteve à conversa com Carlos Alberto Gomes, do The Blind Spot, para sabermos qual foi o impacto mediático da iniciativa.


Como foi a divulgação do congresso na comunicação social, nas redes sociais e nas associações profissionais?

Foram enviados dois comunicados de imprensa a diversos órgãos de comunicação social desde o início de outubro. Enviei convites para os principais hospitais do país e para as cerca de 70 associações de médicos. Tentámos contatos diretos com jornalistas da SIC, TVI e Lusa numa tentativa de divulgação para a cobertura do evento. Falámos com uma agência de comunicação que se recusou, disse que a sua postura ética não lhe permitia cobrir um evento como o nosso e que havia conflito de interesses.

E nas redes sociais?

Falámos com alguns jornais online, entre os quais o The Blind Spot. Eu tenho um canal no Telegram, que é o Outras Evidências, que é onde divulguei os preparativos do congresso e depois durante o decorrer do mesmo. Também utilizei o Facebook.

E quais foram os resultados dessa divulgação?

Cheguei a fazer a divulgação paga do Facebook que, a certa altura, foi recusada. Aceitaram e passados cinco ou seis dias recusaram continuar a publicitar o congresso. Eu nem sabia que isso se podia fazer. Aparentemente, já nem pagando a gente consegue alguma coisa.

Tentaram fazer publicidade paga no Facebook e foi recusada. E quais os argumentos utilizados?

Não deram argumentos nenhuns. Fizemos o pedido de aprovação, que demora mais ou menos um dia a ser aceite, e foi. Esteve a circular durante três ou quatro dias e a certa altura foi cancelada e não deram nenhuma justificação. Lá terão as razões deles.

Marta Gameiro: “Por algum milagre, consegui fazer publicações no Facebook”. Foto: Francisco Figueiredo

Conseguiram fazer divulgação do congresso no Facebook?

Foi só essa. Como eu estava sistematicamente a ser bloqueada no Facebook, e o meu perfil estava ligado à página do Congresso, a divulgação que conseguia fazer era muito limitada porque a dada altura a página do congresso deixava de autorizar-me a fazer novas publicações.

Só mesmo durante o congresso, e por algum milagre, eu fui fazendo publicações no meu mural (eu já nem tentava fazer no mural do congresso) e fui colocando as várias intervenções. Mas antes foi muito difícil.

E fizeram a emissão em direto no Facebook?

Fizemos através do Facebook do Movimento de Cidadania Democrática [co-organizador do congresso] e no Odysee através do meu canal Outras Evidências. Também se conseguia ver em direto no site do congresso.

Em relação a televisões e a jornais de grande dimensão, houve alguma cobertura?

Até agora, não. Além do The Blind Spot, que estava lá, o único que fez cobertura do evento foi o Página Um que, entretanto, conseguiu fazer uma entrevista ao Dr. Michael Levitt. Chegou-me aos ouvidos que estava lá alguém da Lusa mas, pelo que eu tenho reparado, não saiu nada na Lusa. Da imprensa regional, esteve lá o jornal Notícias de Ourém. Depois enviámos as conclusões do congresso, feitas pelo Dr. Cândido Ferreira, e essas declarações já saíram em três ou quatro jornais regionais.

E quais foram as reações das associações médicas?

Tivemos a Sociedade dos Jovens Médicos Portugueses que disse que apoiava e que ia distribuir informação sobre o congresso e publicar o logotipo de apoio institucional. Depois, foi muito estranho – já tinha enviado dois e-mails com a indicação das pessoas que iam intervir, quais eram os temas, estava bem explícito. Quando recebi o primeiro e-mail, parti do princípio que eles sabiam no que se estavam a meter. Passadas cerca de cinco horas, recebi novo e-mail a dizer que tinham lido melhor o programa e que retiravam o apoio. Foi uma coisa muito estranha. Foi a única sociedade que nos respondeu.

Liberdade de expressão e de imprensa

Considera que a liberdade de expressão, como nós a entendemos, foi cumprida neste congresso?

Até pode haver liberdade de expressão, o que eu acho é que não há uma grande liberdade de imprensa. Porque ninguém nos prende – a polícia não foi lá para nos prender, por nós estarmos ali numa espécie de reunião de dissidentes. O que eu acho é que os próprios jornalistas não têm autonomia para fazer uma cobertura independente do que se passa no país. O jornalista até pode ter muita vontade de ir lá, mas, se não tiver autorização da direção para fazer a notícia do evento, pura e simplesmente não sai.

O caso mais extremo e mais assumido é o do [jornal] Público que assume que têm uma certa linha editorial que eles próprios dizem que é para promover o consenso junto da população. Eu acho que isso no jornalismo é um bocadinho a antítese do que se entende por jornalismo. Ali é assumida, mas os outros fazem o mesmo e não o assumem, dizem que são independentes.

Em relação às cerca de 70 associações médicas contatadas, qual acha que será a razão para não terem respondido?

Havia médicos no congresso, obviamente, além daqueles que foram oradores, que foram lá por iniciativa própria.

O que eu sinto neste momento é que há uma certa vergonha em se assumir que se pode estar em dúvida ou que se optou por uma via que se calhar pode estar errada ou com a qual, afinal, não se está tão à vontade com aquilo que foi feito. Há pouco à-vontade em assumir que se está numa posição de ouvir o outro lado. Há uma certa retração.

Até podem ver, até podem contribuir mas não pode ser oficial e não se pode saber. As coisas acontecem, dão-lhe atenção mas faz-se de conta que não se passa nada até se ter mais certezas. Neste momento, a grande maioria dos médicos está nesse ponto.

Nos convites que enviei para os hospitais, só obtive resposta de dois médicos, chefes de serviços, que disseram que não podiam ir mas que desejavam que o congresso corresse muito bem. Deram-se ao trabalho de responder. Não se pode dar ainda apoio institucional porque há “poderes” superiores que não permitem, sob pena de se cair em descrédito ou difamado – o que já aconteceu a muitos médicos que vieram de alguma maneira fazer críticas ao modo como se geriu tudo isto e às próprias vacinas que estão a ser administradas.

Estão com receios que sejam descredibilizados na praça pública. E há esse medo. Ninguém está para criar caos na sua vida a troco de nada porque, no fundo, o ativismo é isto, é fazer coisas a troco de nada na esperança que algum dia resulte em alguma coisa. E infelizmente são poucos os que se metem nisso.

O congresso decorreu em Fátima entre 28 e 30 de outubro e contou com cerca de 60 palestrantes e mais de 700 participantes

Aquilo que depreendo pelas suas palavras é que temos uma lógica de corporativismo que essa, sim, não tem deixado que a informação, como aquela que foi veiculada no congresso, venha cá para fora. Mas individualmente existem pessoas atentas e interessadas naquilo que vocês discutiram. Será a lógica do corporativismo que está a limitar a liberdade de expressão?

Sim, é muito corporativismo. Estão dentro de uma instituição e se a instituição não vai naquele sentido, tu também não vais, apesar de podermos ter uma ideia diferente. Os nossos médicos são funcionários públicos, têm que obedecer a uma chefia. Isto na medicina também funciona muito por seguir uma espécie de líder, apesar de cada médico ter a sua própria autonomia de investigar, de estabelecer um diagnóstico e uma terapêutica adequada. Nós também temos os nossos gurus e também temos que prestar algum tipo de vassalagem à instituição que nos recebe.

Eu penso que muitas vezes não queremos criar atritos. Tentamos investigar por conta própria e não dar muito nas vistas até ter 100% de certeza absoluta daquilo que se pretende, que é muitas vezes o que não se tem.

Eu falei com uma médica, que não vou dizer agora o nome, que foi muito contra o que se passou. Ela diz que há dois anos que vai para o local de trabalho e que ninguém fala com ela. É muito duro um dia-a-dia assim. E é isso que eu penso que inibe muitas pessoas de falarem publicamente e de aparecerem neste tipo de eventos.

Segundo o seu raciocínio, aquilo que nós temos é um caso de omissão: pura e simplesmente, ignora-se o que se está a passar. Mas no caso das redes sociais considera que existe uma censura?

No Facebook, no Twitter, no YouTube e no Google, claramente. Isto é público, eles escolheram uma linha de orientação. Eles têm um protocolo com a OMS [Organização Mundial de Saúde] sobre aquela que é a verdade absoluta. E tudo o que for contra a verdade que está a ser dita pela OMS é pura e simplesmente retirado das redes sociais. A pessoa é bloqueada e, no limite, é expulsa dessa rede social.

Isto é público, acontece e é a nova inquisição que nós temos, a inquisição das redes sociais. Não condenam ninguém à fogueira mas está lá quase (risos).


Veja a entrevista em vídeo no canal Odysee do The Blind Spot.

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