Skip to content

“O que me importa unicamente é o que tenho de fazer, não o que pensam os outros. Esta regra, igualmente árdua na vida imediata como na intelectual, pode servir para a distinção total entre a grandeza e a baixeza. E é tanto mais dura quando sempre se encontrarão pessoas que acreditam saber melhor do que tu qual é o teu dever. É fácil viver no mundo de conformidade com a opinião das gentes; é fácil viver de acordo consigo próprio na solidão; mas o grande homem é aquele que, no meio da turba, mantém, com perfeita serenidade, a independência da solidão.”

Ralph Waldo Emerson
Ralph Waldo Emerson foi um famoso escritor, filósofo e poeta norte americano.

Esta observação de Ralph Waldo Emerson evidencia que as forças castradoras da conformidade, já na altura há quase 200 anos, eram bastante fortes. Naturalmente que o autor estava longe de sonhar que esta pressão ontológica se iria engrandecer avassaladoramente com os adventos da comunicação social e das respetivas redes sociais. A conformidade deixou de ser imposta exclusivamente pelas comunidades próximas, solevando-se um enquadramento global, onde através das redes sociais, um qualquer incógnito consegues ostracizar, “cancelar”, envergonhar e ridicularizar aqueles que não manifestam crenças consensuais ou exibir comportamentos que são considerados socialmente aceitáveis.

Mas esta capacidade ampliada de impor a conformidade tem um preço relativamente exuberante, uma vez que são os não conformistas que fazem emergir novas ideias, criações e formas de vida capazes de produzir sociedades vibrantes. Além disso, muitos pensadores que refletiram profundamente sobre a condição humana sugeriram que demasiada conformidade acabava por matar o espírito humano e que uma vida plena é aquela que assiste ao florescer da sua singularidade e não a mera mímica da multidão.

Embora a conformidade possa ser definida como a imitação e adoção de comportamentos, crenças e valores que são considerados socialmente aceitáveis, a não conformidade, para efeitos deste ensaio, não será somente a rejeição dos respetivos comportamentos socialmente aceites. Uma pessoa que rejeita as coisas apenas pelo desejo de ser “diferente” ainda se conforma, uma vez que a sua vida, como a do mais típico conformista, ainda é moldada por uma fonte externa, nomeadamente a multidão. A verdadeira não-conformidade, em contraste, é demonstrada na medida em que o seu percurso de vida, e, portanto, o seu carácter, são moldados por comportamentos, crenças e valores que são selecionados por razões pessoais ou autênticas. Em muitos casos, isto implica a adoção de comportamentos consideradas socialmente aceitáveis, mas o não-conformista adota-as porque compreende a sua utilidade, enquanto que o conformista as adota apenas pelo desejo de serem aceites.

Embora existam numerosas forças por detrás da tendência para a conformidade, alguns pensadores têm sugerido que o medo da morte é um dos fatores mais influentes relativamente a este respeito. No seu livro premiado com Pulitzer “The Denial of Death” Ernest Becker descreve este medo existencial da seguinte forma:

“Este é o terror: ter emergido do nada, ter um nome, consciência de si mesmo, sentimentos interiores profundos, e um excruciante desejo interior de vida e autoexpressão – e com tudo isto ainda morrer. Parece ser um embuste. . . Que tipo de divindade criaria uma comida tão complexa e extravagante?”

Ernest Becker foi um antropólogo cultural, escritor e estudioso da interdisciplinaridade científica. Tornou-se amplamente conhecido ao receber o Prémio Pulitzer de Não Ficção Geral em 1974 pelo seu livro A “Negação da Morte”.

Segundo Becker, não conseguimos enfrentar a realidade da nossa morte sem experimentarmos uma ansiedade incapacitante e, é por isso que tentamos acalmar esta ansiedade através da “negação da morte”. A negação da morte é alcançada por aquilo a que Becker chamou o esforço por heroísmo, ou por outras palavras, apegar-nos a um propósito, causa ou criação que acreditamos que sobreviverá e transcenderá a nossa existência física, concedendo-nos assim uma forma de imortalidade. Há dois caminhos principais para o heroísmo, o caminho do não-conformista, ou aquilo a que Becker chama heroísmo cósmico ou pessoal, e o caminho do conformista, a que ele chama heroísmo cultural.

O caminho do não-conformista consiste em cultivar o seu potencial único e usar os seus talentos e capacidades na criação de algo novo e significativo.

“Qual é o verdadeiro talento de alguém, o seu dom secreto, a sua autêntica vocação?” escreve Becker “De que forma é uma pessoa verdadeiramente única, e como pode ele expressar esta singularidade, dar-lhe forma, dedicá-la a algo para além de si próprio?”

Ao criar algo que de certa forma auspicia transcender a nossa existência física, seja uma obra de arte, uma descoberta científica, ou um empreendimento empresarial, ou mesmo a própria vida, segundo Becker, será representante de uma forma de heroísmo pessoal. Este heroísmo pessoal ajuda a negar a morte de uma forma conducente à saúde psicológica e à vitalidade.

No entanto, quando a maioria de nós atinge a idade adulta, já foi inculcada e doutrinada direta ou indiretamente a entender a respetiva singularidade não como algo a ser cultivado, mas sim, como algo a ser evitado. São poucas as pessoas que se enxergam a si próprias como capazes de trazer algo de significativo para o mundo e por isso são incapazes de se envolverem em heroísmo pessoal. Para tais pessoas, é necessária uma via alternativa para a negação da morte, ou então correm o risco de serem esmagadas pela ansiedade e pelo desespero niilista. Esta alternativa é encontrada através da conformidade e da adoção de papéis sociais pré-determinados, ou aquilo a que Becker chama heroísmo cultural. Embora este caminho limite a expressão da singularidade e conduza a uma vida dominada pela repetição e rotina, proporciona segurança e conforto às pessoas, fazendo-as sentir como se estivessem a participar em algo significativo. Ou, como explica Becker:

“Como muitos prisioneiros, estão confortáveis nas suas rotinas limitadas e protegidas, e a ideia de uma liberdade condicional no vasto mundo do acaso, do acidente e da escolha aterroriza-os. Na prisão do próprio carácter pode-se fingir e sentir que se é alguém, que o mundo é controlável, que existe uma razão para a própria vida, uma justificação pronta para a própria ação. Viver automática e acriticamente é ter a garantia de pelo menos uma parte mínima da heroicidade cultural programada…”

Ernest Becker
A Negação da Morte

Becker faz a interessante afirmação de que o heroísmo cultural é eficaz devido à função religiosa que as sociedades seculares modernas desempenham na vida do conformista. Por outras palavras, tal como o cristianismo na Idade Média dava aos ocidentais um sentido à sua existência e um conjunto de valores pelos quais moldar as suas vidas, no nosso mundo atualmente secular a sociedade desempenha agora esse papel. Como Becker explica:

“A própria sociedade é um “sistema de herói” codificado, o que significa que a sociedade é, inegavelmente, um mito vivo que produz significado para a vida humana. Cada sociedade é, portanto, uma “religião”, quer se identifique assim ou não: A “religião” soviética e a “religião” maoísta são tão verdadeiramente religiosas como a “religião” científica e a “religião” de consumo, por muito que tentem disfarçar-se, omitindo as ideias religiosas e espirituais das suas vidas”

Ernest Becker
A Negação da Morte

Tal como qualquer religião, a religião da própria sociedade torna-se mais fácil de acreditar, quanto maior for o número de pessoas convertidas à respetiva idolatria. E é por isso que os não conformistas são tão temidos pelas massas, indivíduos únicos plantam forçosamente sementes de dúvida na mente dos conformistas sobre o significado dos seus papéis sociais, e, portanto, sobre o significado da sua própria existência. Logo, as massas desencorajam ativamente o aprimoramento da sua singularidade, ridicularizam e ostracizam os não-conformistas, e tentam pressioná-los de volta à conformidade – algo que devem fazer, dado que o seu significado existencial está em risco.

Embora existam grandes pressões para se conformar, dos dois caminhos do heroísmo, o menos viajado, afigura-se evidentemente como o aperfeiçoamento pessoal e a expressão da própria singularidade, uma jornada que há muito que é visto como a superior na presente dicotomia, pois como Emerson escreveu:

“Whence is your power? From my nonconformity. I never listened to your people’s law, or to what they call their gospel, and wasted my time.”

Ralph Waldo Emerson
Essays

A existência dos conformistas, embora confortável, é em grande parte um estado robótico. Estas pessoas estão sempre a olhar para os outros a fim de determinar como se devem comportar e em que é que devem acreditar. Logo, a conformidade equivale intimamente a viver a vida pelos outros e não por si próprio – e como Virginia Woolf reconheceu:

“Once conform, once do what other people do because they do it, and a lethargy steals over all the finer nerves and faculties of the soul. [One] becomes all outer show and inward emptiness; dull, callous, and indifferent.”

Adeline Virginia Woolf, nascida Adeline Virginia Stephen, foi uma escritora, ensaísta e editora britânica. Estreou-se na literatura em 1915 com o romance “The Voyage Out”, que abriu o caminho para a sua carreira como escritora e uma série de obras notáveis.

Este efeito estupidificante da conformidade levou Kierkegaard a salientar a importância de se esforçar por seguir um caminho de vida escolhido pessoalmente – uma vez que a existência de um conformista não poderia ser considerada uma existência vivida. No seu trabalho “Concluindo o pós-escrito não científico para fragmentos filosóficos” ele sugere que cultivar a singularidade é como “montar um garanhão selvagem”, enquanto que conformar-se é como “adormecer numa carroça de feno em movimento”. Mas, tal como Becker, Kierkegaard percebeu que poucas pessoas são capazes de cultivar a sua singularidade, pois, como ele escreveu:

“Cercado por hordas de pessoas, ocupado com todo o tipo de assuntos seculares, cada vez mais perspicazes sobre os caminhos do mundo – uma pessoa esquece-se a si própria, esquece o seu nome divinamente compreendido, não ousa acreditar em si própria, acha demasiado arriscado ser ele próprio, muito mais fácil e seguro ser como os outros, tornar-se uma cópia, um número, parte da multidão”

Soren Kierkegaard
The Sickness Unto Death

Mas enquanto a maioria das pessoas se conformam quase sem reflectir sobre a razão pela qual o fazem, outras têm um sentimento incómodo de que há mais na vida do que o papel social que adotaram. Sentem que, no curto espaço de tempo que têm entre duas eternas trevas, deveriam esforçar-se por cultivar a sua singularidade e ver do que são pessoalmente capazes. Mas mesmo com esta consciência, porque é que tão poucas pessoas são capazes de quebrar as poderosas cadeias da conformidade?

Por outras palavras, embora Becker possa estar certo de que o nosso medo da morte nos impele a lutar pelo heroico, porque é que tantas pessoas escolhem o caminho da conformidade em vez do caminho muito superior do não-conformista para alcançar a negação da morte? Enquanto numerosos pensadores tentaram identificar o que torna tão difícil ser um não-conformista, Nietzsche, no seu livro “Meditações prematuras”, sugeriu que a raridade do não-conformista pode ser explicada por uma falha de carácter específica que aflige a grande maioria de nós:

“Ao ser perguntado que natureza encontrou nos homens em todos os lugares, o viajante que viu muitos países, povos e vários continentes respondeu: eles têm uma propensão à preguiça. Alguns acharão que ele teria respondido com mais justeza e razão se afirmasse: todos são timoratos. Pois, eles escondem-se atrás dos costumes e opiniões. No fundo, o homem sabe muito bem que não se vive no mundo senão uma vez, na condição de único, e que nenhum acaso, por mais estranho que seja, combinará pela segunda vez uma multiplicidade tão diversa neste todo único que se é: ele sabe inquestionavelmente, mas esconde isso como se tivesse remorsos ou peso na consciência ― porquê? Por medo do próximo que exige esta convenção e nela se oculta. Mas o que obriga o indivíduo a temer o seu vizinho, a pensar e agir como animal de rebanho e a não se alegrar consigo próprio? Em alguns casos muito raros, talvez o pudor. Mas na maioria dos indivíduos é a indolência, o comodismo, em suma, esta propensão à preguiça da qual falava o viajante.”

Friedrich Nietzsche
Meditações prematuras
Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na atual Alemanha.

Gonçalo Alves da Cunha

Escritor, fundador do programa palavra de honra e co-fundador do Média Áurea

https://www.youtube.com/channel/UCQCIMuPdvQ32SI7TSDQjW5w

Média Áurea
https://www.youtube.com/channel/UCPTwoMTuMdqCR1MD5eaqxcw

Compre o e-book "Covid-19: A Grande Distorção"

Ao comprar e ao divulgar o e-book escrito por Nuno Machado, está a ajudar o The Blind Spot e o jornalismo independente. Apenas 4,99€.