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Governo canadiano assume maior controlo sobre informação após divulgação de ovação a veterano nazi

O recente convite endereçado pelo governo canadiano a um antigo combatente ucraniano que colaborou com o exército alemão na II Guerra Mundial desencadeou uma múltipla e imediata reação, nacional e internacional. Organizações judaicas já manifestaram o repúdio face ao evento e a Polónia ameaçou com a extradição do veterano ucraniano. Desde os anos setenta e oitenta do século passado que a questão dos criminosos de guerra, que tinham escapado ao julgamento, tem sido um tema primordial na agenda política internacional. O governo canadiano decretou, entretanto, legislação para exercer maior controlo governamental sobre fontes independentes, como a que denunciou o caso.

O aplauso a um veterano ucraniano com passado nazi no parlamento canadiano chocou a oposição e  provocou a reação imediata, nacional e internacional. Por ocasião da visita do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ao Canadá, Anthony Rota, o líder do parlamento canadiano, convidara Yaroslav Hunka, apresentado como um herói da II Guerra Mundial por ter participado, ao lado do exército alemão, na libertação da Ucrânia ocupada pelo exército soviético. Herói ou criminoso de guerra parece ser, agora, uma questão a resolver.

Reações nacionais e internacionais

No Canadá, as consequências imediatas produziram dois momentos de forte contestação que não tem parado até hoje. A começar pela demissão do presidente do parlamento, continuando com a visível descredibilização de Trudeau, que se identifica como um paladino e “campeão dos direitos humanos”. Mas uma segunda consequência surge associada à tentativa de branqueamento desta iniciativa pelas forças políticas da esquerda canadiana.

Em todo o caso, o parlamentar Chris Warkentin chamou a atenção para a necessidade de um pedido de desculpa pessoal do primeiro-ministro, evitando assim, nas suas palavras, “responsabilizar outros como sempre costuma fazer.”. E Blake Richards, membro conservador do parlamento e ministro sombra para os assuntos sobre os veteranos de guerra, já lançou uma petição exigindo um pedido de desculpas público de Trudeau aos veteranos canadianos.

Do mesmo modo, ao nível internacional, as reações não se fizeram esperar, quando polacos, russos e judeus se juntaram condenando a glorificação do nazismo no parlamento canadiano. Com particular perplexidade pelo apoio do presidente ucraniano, que professa a religião judaica, a esta iniciativa. Entretanto a Polónia anunciou que prepara um dossier de extradição do veterano nazi.

Também o jornalista americano-ucraniano Lev Golinkin recordou, numa entrevista realizada pelo Democracy Now, o facto de países como o Canadá terem recebido uma comunidade de ucranianos colaboradores nazis após a II Guerra Mundial. O avô da Canadian Deputy Prime Minister Chrystian Freeland teria sido um propagandista nazi, na opinião deste jornalista. 

Salientar ainda que Irwin Cotler, enviado especial do Canadá no combate ao antisemitismo e na preservação da memória do Holocausto, assim como David Matas, conselheiro honorário do B’nai Brith (organização judaica), em entrevista no passado dia 1 de outubro à CBC News, manifestaram o seu forte desagrado com a receção ao veterano nazi, e pediram um relatório com detalhes sobre criminosos de guerra nazis a viver no Canadá.

Contexto histórico relacionado com a II Guerra Mundial

Após a II Guerra Mundial o Canadá, assim como muitos outros países, recebeu alemães nazis e outras nacionalidades que com eles tinham colaborado. Para contextualizar, importa relembrar que, durante os anos 70 e 80 do século passado, a questão dos criminosos de guerra que tinham conseguido escapar ao julgamento, era um tema quente na agenda política internacional.

No que diz respeito ao Canadá, é sobretudo conhecida a 14ª Divisão de Granadeiros da Waffen SS, também conhecida como SS Galizen, composta por ucranianos nacionalistas voluntários. São muitos os monumentos canadianos dedicados aos veteranos nacionalistas nazis. Contudo, desde há muitas décadas que associações de polacos e de judeus no Canadá têm reclamado a sua remoção. Aliás, a história dos veteranos ucranianos que migraram para o Canadá, assim como a sua função, está ainda por terminar.

Neste âmbito, tem particular interesse a Comissão Deschênes, uma comissão independente criada em fevereiro de 1985, e anunciada pelo então ministro da justiça, tendo a sua liderança sido entregue a Jules Deschênes, um juiz do Tribunal de Recurso do Quebeque. A referida comissão teve como objetivo a investigação dos crimes de guerra, assim como todos os crimes contra a humanidade. É aliás, bem conhecido, o caso do criminoso de guerra Helmut Rauca, extraditado para a República Federal Alemã em inícios de 1980, depois de trinta anos a viver no Canadá.

A reação do governo: mais um passo na limitação da liberdade para informar?

O primeiro-ministro canadiano já veio recusar qualquer responsabilidade sobre o incidente, depois de ter tentado negar o sucedido.

Aliás, na passada sexta-feira, dia 29 de setembro, o governo canadiano deu um passo no controlo do sistema de radiodifusão e telecomunicações, depois de uma consulta alargada, com a publicação de um decreto que exige o registo de livestreamers, podcasters e youtubers na Comissão Canadiana de Radiotelevisão e Telecomunicações (CRTC), uma comissão de nomeação governamental responsável pela regulação e pela supervisão da radiodifusão e telecomunicações de interesse público. Porém, esta iniciativa legislativa, publicada na passada sexta-feira, não foi alvo de debate parlamentar, o que tem levado alguns analistas e críticos a denunciarem esta iniciativa como uma tentativa dissimulada de controlo exercida pelo governo sobre a liberdade de informação.

Esta alegada tentativa de controlo pode vir a suscitar algum interesse na realização de uma investigação futura que analise os meios de comunicação social e as redes sociais envolvidas na difusão desta visita polémica. Aliás, o jornalista independente britânico Warren Thornton, após ter exposto o acolhimento ao veterano ucraniano no parlamento canadiano na sua rede social, no dia 24 de setembro, foi abordado pela polícia com o pretexto de desinformação.

Mónica Rodrigues

Especialista em Geopolítica e Geoestratégia. Licenciada em História (FCSH-UN) e com um DEA em Geopolitique (Universidade de Paris). Curso Segurança Internacional (NATO/UKiel, Alemanha). Auditora do Curso de Defesa Nacional (IDN/2002). Diretora da Revista Cidadania e Defesa (AACDN). Membro da SEDES (SEDES-Setúbal). Foi professora assistente de Geopolitica/Geoestrategia e Segurança e Defesa Nacional (ULusíada).

Referências

Canada’s House Speaker Apologizes For Honoring Actual Nazi; Still Radio Silence From ADL | ZeroHedge

EIR LEAD EDITORIAL FOR FRIDAY SEPTEMBER 29, 2023 (larouchepub.com)

The GloboCap Nazi Follies – CJ Hopkins (substack.com)

Calls for Ottawa to release documents naming alleged Nazi war criminals in Canada – YouTube

Nazi Veteran Honored in Canada Was Part of Wave of Collaborators Harbored in West – YouTube

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