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A Identidade Digital: uma agenda de progresso ou de controlo totalitário

A aprovação provisória do documento de Identidade Digital no seio da União Europeia anunciada nos dias 8 e 9 de novembro de 2023, com o argumento da facilitação de serviços a disponibilizar ao cidadão, faz disparar várias dúvidas sobre a segurança das bases digitais, e, sobretudo, sobre o próprio significado que é dado a identidade. De acordo com este novo paradigma, qualquer interação social, qualquer compra ou passeio pode ser identificado, analisado ou usado contra o mesmo.

O documento de Identidade Digital (ID) foi aprovado provisoriamente pelo Conselho da União Europeia e pelo Parlamento Europeu, e constitui o primeiro tipo de carteira digital a instituir no quadro pan-europeu.

Anunciada nos dias 8 e 9 de novembro de 2023, a grande vantagem deste instrumento de identidade, segundo aquelas instituições, reside na facilidade de procedimentos visto que, segundo Nadia Calvino, “Com a aprovação do regulamento relativo à identidade digital europeia, estamos a dar um passo fundamental para que os cidadãos possam ter uma identidade digital europeia única e segura. Este é um avanço fundamental para que a União Europeia seja uma referência mundial no domínio digital, protegendo os nossos direitos e valores democráticos.”.

A carteira digital multiusos

Esta carteira digital, o novo serviço oferecido pela União Europeia aos cidadãos, conforme se pode ler no press release do Conselho Europeu, garante duas mais valias fundamentais, tais como, a universalização de acessos e a segurança nos processos de identificação eletrónica e de autenticação. Para além destas, e segundo a mesma fonte institucional, acrescentam-se outras grandes vantagens, possíveis a partir de um telemóvel, como a ligação da identidade pessoal a outros atributos pessoais (contas bancárias, carta de condução, diplomas, entre outros).

E se as “bases digitais globais cairem nas mãos erradas?  Rejeite a Identidade Digital, diz Nigel Farage

No Reino Unido Nigel Farage protagoniza o coro de oposição ao projeto da carteira digital, num momento do sistema internacional em que o G20 já não decide, em sua opinião.

Este político britânico, liberal e nacionalista, pretende alargar o movimento de oposição à ID à escala glogal, e à escala europeia, no seio da qual, afirma, “ membros europeus não eleitos, como Ursula von der Leyen dizem que nós precisamos de infraestruturas digitais públicas.”. 

Em sua opinião, o argumento principal da sua oposição reside na concentração de dados dos cidadãos, a nível mundial e os riscos que podem ocorrer da sua gestão. Nas suas palavras “Imagine-se uma base de dados global que pode cair nas mãos de maus actores e as nossas vidas serem completamente controladas por maus actores. Quero que o Governo britânico diga não.”.

Outras opiniões sobre o verdadeiro significado de “Identidade”

Para o Forum Económico Mundial  (FEM), de acordo com um relatório de 2018, – Identidade num Mundo Digital. Um novo capítulo do Contrato Social,:  “A nossa identidade é, literalmente, quem somos e, à medida que as tecnologias digitais da Quarta Revolução Industrial avançam, a nossa identidade é cada vez mais digital.”. A definição fica completa se considerarmos as dimensões física, digital e biológica, enunciadas por Klaus Schwab no seu livro “A Quarta Revolução Industrial”. No futuro, como explica este autor, a tendência será para a fusão daquelas três dimensões.

A ONU reiterou, ainda recentemente, a importância desta infraestrutura como um instrumento de inclusão e de respeito pelos direitos humanos. Por tal motivo, os governos necessitam de uma infraestrutura pública digital forte que permita a distribuição de serviços públicos em larga escala, concluindo que  “Tecnologia e a governança devem progredir em tandem.” 

Dada esta necessidade de adequação entre governo e infraestrutura digital, o estudo de Emrys Shcoemaker, Risa Arai e Benjamin Bertelson, colaboradores das Nações Unidas, mostra a necessidade de modelar um novo quadro de governação, sugerindo que “O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) recebe frequentemente pedidos de apoio jurídico, regulamentar e institucional, particularmente no âmbito da programação de ID legal da organização. Um aumento recente de pedidos reflecte a crescente consciencialização entre os Estados-Membros da importância de adotar abordagens participativas e baseadas em direitos aos aspectos legislativos e políticos da conceção e implementação da identificação legal digital.”.

Como a ID condiciona o produto

Partindo da definição de uma ID ligada a tudo – desde os serviços de saúde à mobilidade e à governança digital -, a Infraestrutura Pública  Digital (IPD) deve permitir o fornecimento de serviços, produtos e todo o tipo de informação, quer para o cidadão quer para as entidades consideradas no ecossistema digital. Como podemos analisar na imagem do FME, os setores considerados são dez: saúde, serviços financeiros, alimentação e sustentabilidade, viagens e mobilidade, resposta humanitária, e-comércio, plataformas sociais, e-governo, smart cities e telecomunicações.

Fonte: World Economic Forum

Uma das propostas de IPD em uso no Estado Indiano, e desenhada por Nandan Nikelani, tem a dupla vantagem de se poder adaptar à futura economia circular, assim como ao pagamento de impostos, à mobilidade, à gestão de passaportes vacinais e aos pagamentos relativos à adaptação climática.

Riscos de privacidade e de derrapagem para uma sociedade totalitaria

Algumas duvidas sobre o conceito de identidade digital exigem uma melhor definição conceptual entre identidade e identificação.

Todos temos uma identificação ao sermos proprietários de documentos oficiais. Contudo, a alteração do conceito de identificação para identidade digital mostra os riscos que as democracias europeias correm ao serem transformadas, e na ignorância dos seus cidadãos, num modelo de sociedade de tipo totalitário. Isto é, todas as características, físicas, comportamentos e atitudes de um cidadão passam a ser considerados neste novo conceito de identidade, diferente do conceito de identificação oficial. Exemplificando, neste novo quadro de referência de Identidade Digital, qualquer interação social, qualquer compra ou passeio pode ser identificado, acompanhado, analisado e até usado contra o cidadão.

Referências

European Parliament (europa.eu)

European digital identity: Council and Parliament reach a provisional agreement on eID – Consilium (europa.eu)

EU: Parliament and Council agree on digital identity framework | News post | DataGuidance

Governing digital legal ID systems effectively to ensure inclusion and respect for human rights | United Nations Development Programme (undp.org)

This start-up is creating legal identities for a billion people | World Economic Forum (weforum.org)

Digital Legal ID Governance (governance4id.org)

(115) Say NO to a global digital ID. – YouTube

Mónica Rodrigues

Especialista em Geopolítica e Geoestratégia. Licenciada em História (FCSH-UN) e com um DEA em Geopolitique (Universidade de Paris). Curso Segurança Internacional (NATO/UKiel, Alemanha). Auditora do Curso de Defesa Nacional (IDN/2002). Diretora da Revista Cidadania e Defesa (AACDN). Membro da SEDES (SEDES-Setúbal). Foi professora assistente de Geopolitica/Geoestrategia e Segurança e Defesa Nacional (ULusíada).

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