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A commedia dell´arte das eleições ou o povo é quem mais orden(h)a?

Quando a peça não corresponde ao cartaz, o encenador faz entrar em cena a trupe malabarista para entreter os espetadores, que vão aplaudindo gato por lebre, mal pensando serem eles mais uma vez os bombos da festa, que dão vida à representação, e sem os quais não haveria pantomina, parafraseando António Pinho Cardão. A “comédia da arte”, foi uma forma de teatro, originária de Itália, que era popular em toda a Europa entre os séculos XVI e XVIII, caracterizada por personagens “mascarados” e por piadas algo tontas, por vezes sarcásticas. Os personagens da commedia representam tipos sociais fixos e estereotipados, como velhos tolos, servos desonestos, militares arrogantes ou políticos corruptos. Os atores seguiam apenas um roteiro simplificado e tinham total liberdade para improvisar e interagir com o público.

Qual é afinal o verdadeiro símbolo da democracia? Não é o PS, não é a AD, não é o Chega, nem a Iniciativa Liberal ou o Bloco de Esquerda, nem qualquer outro partido. Socorrendo-nos de um slogan humorístico brasileiro, o “fio dental” é o maior símbolo da democracia, porque separa a direita da esquerda, protege o centro, faz mudar o ponto de vista de cada um, põe o povo todo a olhar para o mesmo objetivo. Perdoe-se a piada machista, mas o circo (círculo) eleitoral é tudo menos o “politicamente correto”.

Depois do famigerado “dia de reflexão” (milhares de portugueses já tinham votado antecipadamente, portanto sem “refletir”) sucedeu-se, no próprio dia das eleições, o espetáculo mediático a que já nos tínhamos habituado em atos eleitorais anteriores.

(Per)seguem-se os candidatos principais dos partidos com assento parlamentar, como se os outros não existissem. As plêiades de comentadores fazem-lhes perguntas quase em cima da urna, só faltava perguntar em quem votam, porque isso é coisa que nunca saberemos. Os próprios candidatos fazem parte ativa da “comédia” ao passearem-se com os filhos junto às mesas de voto, só faltava o cão. Os jornalistas de mota seguem os veículos dos líderes principais até à sede de campanha ou ao “quartel-general” [sic], entre outras ações da mais elevada performance jornalística, quase tentados, na fala de uma “jornalista”, a pedir para lhes abrirem o vidro para lhes vociferarem esta ou aquela pergunta.

A espetacularização da política esmorece toda a prática democrática plena e sincera. Qual é o “programa das festas” pergunta do estúdio um jornalista a outro que está num hotel de Lisboa com um dos candidatos?

Enquanto ainda decorre a votação inculcam-se no subconsciente dos eleitores os candidatos do sistema que são assim o “alter ego” dos votantes. Faz-se acreditar que as eleições (de dois em dois, de quatro em quatro, de 221 cinco em cinco anos) são o clímax da democracia, senão a sua única e exclusiva instância. Que a democracia representativa (ou melhor, de representação) se confunde com esse momento de participação que se dissipa nas urnas.

Depois de eleitos os “representantes”, estes pavoneiam-se nos corredores do poder (AR) na maior impunidade, sem qualquer escrutínio, até que um qualquer PR dissolva o parlamento e volte tudo ao mesmo, ou seja, à “festa da democracia”.

Os palhaços de hoje, perdão os políticos, não têm a liberdade que tinham os comediantes do passado, porque sujeitos aos diretórios partidários e às agências de comunicação que os informam e enformam, mas mesmo assim compete-lhes ainda alguma liberdade de improviso de acordo com as emanações do público alvo e o pulsar dos eleitores, embrenhados que estão estes no processo que ingenuamente acreditam ser participativo, para não dizer deliberativo.

Parodiando, os “jograis” 1 são hoje os Montenegros os Nunosantos, os (des)Venturas, os Sousareal, os Raimundos. É caso para dizer que é um mundo real e santo, negro e desventurado, que nos bloqueia o futuro, porque é mais do mesmo ou menos do mais.

A comunicação social, mais do que as ruas, mercados e feiras, é hoje o palco da encenação, da “palhaçada” e da verborreia promitente cuja objetivo, quase sempre missão cumprida, é o de iludir o eleitor, num faz de conta que se repete em cada ciclo, na mais despudorada depreciação da inteligência do cidadão que se deixa enlear na teia.

Para Bernard Shaw, a democracia é um sistema que garante que nunca seremos governados pelos melhores ou melhor do que aquilo que merecemos; para Karl Popper, na democracia, apesar de esperarmos ser governados pelos melhores, devemos estar preparados para ser governados pelos piores.

Também os opinion makers que pululam nos media e nos azucrinam a cabeça todos os dias, por mais que os queiramos evitar, dão para este peditório da aparente democracia ou da “falsa consciência”, expressão que Engels utilizou na sua carta a Mehring, datada de 1893, em que alude à ideia de que as “classes subordinadas” (eleitores) incorporam (in)conscientemente a “ideologia” da “classe dominante” (eleitos).

Dada a sua irracionalidade, votar hoje em siglas ou acrónimos partidários é quase o mesmo que ostentar na lapela, não cravos, mas emblemas clubísticos. O meu partido é o meu clube!

Carlos Magalhães

Fundador do MAIS – Movimento Cidadania Independente e do MCD – Movimento de Cidadania Democrática
Dirigente da PASC – Casa da Cidadania

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