Elon Musk foi ameaçado com a prisão por uma senadora australiana por ter permitido a divulgação da agressão ao bispo Mar Mari Emmanuel na plataforma X. Musk respondeu declarando-a um inimigo público. Esta tentativa de censura apoia-se na ordem da Comissária eSafety Julie Inman Grant, que dirige a primeira agência reguladora governamental de “segurança digital” do mundo e é contribuidora para o Fórum Económico Mundial. Um exemplo da uniformização de políticas à escala global e do risco do avanço do neototalitarismo do século XXI.
Depois da senadora australiana Jacqui Lambie ter afirmado que Elon Musk deveria estar na cadeia, Elon Musk declara-a uma verdadeira inimiga do povo.
A senadora independente da Tasmânia denuncia a falta de “consciência social” do chairman executivo da plataforma X, por ter permitido a publicação de várias dezenas de vídeos sobre o esfaqueamento do Bispo Mar Mari Emmanuel na Igreja Cristo o Bom Pastor, em Sydney, na Austrália. Nas suas palavras, Musk deveria “remover 65 tweets que continham imagens do esfaqueamento na igreja de Sydney.”.
Em declarações à Radio ABC, a senadora australiana afirmou “Francamente, este indivíduo devia ser preso. Precisamos de implementar leis o mais rapidamente possível para combater esta manipulação das redes sociais.”.
Entretanto, um utilizador da Plataforma X publicou parte da entrevista e afirmou que “esta senadora australiana devia estar na cadeia por censurar a liberdade de expressão no X.”.
Posteriormente, Elon Musk, em concordância com o utilizador, escreveu por baixo do tweet “Absolutamente. Ela é um inimigo do povo da Austrália.”.
Ora esta divulgação do ataque tinha sido amplamente criticada por muitos políticos australianos. Outras redes sociais tinham cumprido a ordem da comissária Julie Inman Grant relativamente à não publicação de filmagens sobre o crime, indicando mesmo que não se tratava de uma questão de liberdade de expressão, mas era antes uma forma de não colaborar com publicitação da violência do ato.
Julie Inman Grant, uma #Agile50 de Davos
A preocupação crescente com as redes digitais tem suscitado inúmeras tentativas de legislar a violência dos conteúdos, e vários governos têm redobrado as iniciativas legislativas neste setor. No caso da Austrália, o governo tem uma comissária para a área da segurança no digital.
No governo australiano, Julie Inman Grantfoi reconduzida em 2022 como Comissária eSafety, e é responsável pela iniciativa global “Segurança por design”, estando a desenvolver um novo regime de acordo com a Lei de Segurança Online de 2021. De acordo com o Fórum Económico Mundial, a comissária australiana lidera a primeira agência de regulamentação governamental comprometida com a segurança dos cidadãos australianos online. Revela ter uma vasta experiência no setor, pública e privada, tendo trabalhado no congresso norte americano, na Microsoft e na plataforma Twiter, hoje conhecida como X.
E em 2020, foi nomeada pelo referido Fórum como um dos #Agile50, um dos líderes políticos com maior projeção na revolução da forma de governar.
A uniformização da linguagem para combater a violência online
Ora, é certo que este caso particular da agressão ao bispo Mar Mari Emmanuel tem suscitado inúmeras reflexões por todo o globo. E é certo que a violência crescente no mundo digital é também objeto de contínua preocupação no que respeita à sua regulação. Mas os esforços de regulamentação têm visado, sobretudo, não só a uniformização de políticas, como também a limitação da liberdade de expressão.
Por isso, em virtude da crescente sensibilização do público para a violência do discurso online por um lado, e a falta de conhecimento das famílias relativamente ao mesmo por outro, foram realizados vários inquéritos nos últimos anos.
Por exemplo, no Reino Unido, e de acordo com a entidade reguladora Ofcom, “ao navegar no mundo digital, uns desconcertantes 62% dos utilizadores da Internet com 13 anos ou mais confrontam-se com pelo menos um potencial dano em linha num período de quatro semanas, sendo as burlas, a fraude e o phishing as ameaças mais prevalecentes.”.
Uma outra iniciativa levada a cabo em 25 países, e de acordo com a União Internacional das Telecomunicações, expôs que 80% das crianças revelam ter uma perceção consciente sobre o risco a que estão expostos relativamente a abuso ou exploração sexual online. Porém, a maior parte dos progenitores das crianças revela uma desconexão sobre o assunto.
E também na Austrália, uma outra iniciativa liderada pelo Australian eSafety Commissioner revela que apenas metade dos pais conhecem a exposição dos adolescentes (cerca de 71%) a conteúdos nocivos.
Ora, a propósito do combate ao discurso à violência do discurso no online, desde o ciberbuling ao discurso do ódio, e em virtude da fragmentação das definições, o Fórum Económico Mundial propôs “harmonizar as perceções universais relativamente às ameaças online.”. A solução encontrada foi a construção de um kit de ferramentas – conceitos uniformizados à escala global -, fundamentados nos princípios dos direitos humanos e de modo a permitir uma resposta unificada em qualquer latitude.
Como fica bem expresso no site “Com base nos princípios fundamentais dos direitos humanos, o quadro não é prescritivo nem regulamentar, mas fornece uma linguagem comum fundamental para permitir a cooperação global entre as várias partes interessadas. Dado que as ameaças on-line continuam a evoluir, a tipologia representa um passo em frente vital para se conseguir uma abordagem colaborativa e respeitadora dos direitos à segurança digital.”.
A uniformização e o controlo do discurso, rumo ao neototalitarismo
Regressando à história do esfaqueamento do Bispo Mar Maria Emmanuel, podemos ver como um exemplo da tentativa (bem-sucedida) em curso para a uniformização do pensamento. Só a plataforma X permitiu a partilha de filmagens sobre o ocorrido. Quer os média tradicionais, quer os meios alternativos, seguiram a decisão de Julie Inman Grant, a Comissária eSafety, e não publicaram nenhum conteúdo sobre a agressão.
Mas, perante o aumento da violência, no real e no digital, e num momento em que a transmissão da guerra em direto continua a preencher os telejornais, a toda a hora e a todo o momento, existe agora uma oportunidade para nos questionarmos sobre a natureza do que enfrentamos. Ou seja, por um lado, a transmissão da violência parece ser seletiva. Por outro lado, o esforço de uniformização da resposta online à outra violência (a que não é selecionada para visionamento do público) parece descontextualizado e desproporcionado. Então, o que poderá estar por detrás?
A resposta é complexa. Não há boas respostas nem respostas simples.
A globalização das agendas públicas nacionais, iniciada em 1945 após a II Guerra Mundial, teve na Organização das Nações Unidas o enquadramento institucional, vocacionado à gestão política dessas agendas nacionais entretanto unificadas à escala global. Tal é o ponto em que nos encontramos, a sobreposição da agenda global decidida por interesses transnacionais, mais preocupados com modelos de negócio geradores de lucros e justificados por um suposto “bem comum global” (e, acrescentaria, menos preocupados com o bem-estar das populações dos Estados soberanos).
Mas para que essa globalização das agendas públicas tenha sucesso, é necessário que a perceção do cidadão nacional seja capturada por uma propaganda capaz de transformar a natureza dos problemas reais, e seja também capaz de os amplificar como globais e relativos a todos os “animais humanos” (aqui, já com um estatuto diferente, em pé de igualdade com os outros animais).
E, para o êxito dessa propaganda, é necessário harmonizar a linguagem, começando pela uniformização de conceitos, possibilitando-se assim a mesma interpretação dos problemas e as mesmas respostas. Ou seja, interpretação e resposta à escala global, por todos os governos. Estaremos a ser claros?
Para concluir, a agressão ao bispo Mar Mari Emmanuel trouxe à lembrança as palavras do físico argentino Mario Bunge, que ficou conhecido também como um filósofo da ciência e um humanista.
“Se o século XX foi o século dos totalitarismos clássicos, o novo século ameaça ser o do neototalitarismo que só agora começamos a compreender. E é difícil de compreender porque, ao contrário dos totalitarismos clássicos, não se impõe tanto pela força, como pelo abuso do mercado e da publicidade, pela utilização das burocracias estatais ao serviço de interesses transnacionais, e pela apatia popular gerada, tanto pela corrupção das classes políticas, como pela ausência de novos ideais, a ausência de projetos nacionais (…)”.
Mario Bunge afirmou, nesta conferência, que “Quem não investiga a realidade não pode aspirar a repará-la. Quem não planeia sobre a base de conhecimentos sólidos, torna-se escravo de planos alheios. E quem não nada contra a corrente é arrastado ao oceano.”.
Referências:
Julie Inman Grant – Agenda Contributor | World Economic Forum (weforum.org)
What’s needed to tackle online harm | World Economic Forum (weforum.org)
Child and Youth Safety Online | United Nations
Children’s online lives | eSafety Commissioner
Ver também:
O regresso do “lápis azul” pela mão dos atuais regedores… – The Blind Spot
Alemanha e Bélgica “cancelam” políticos por delito de opinião – The Blind Spot
Serão as notícias falsas o pretexto para o fim da liberdade de informação? – The Blind Spot