Com eleições europeias à porta, o The Blind Spot foi ver quais os lobbies ou grupos de interesse que se reuniram com os eurodeputados portugueses nesta legislatura que chega ao fim. A base de dados disponível no registo de transparência da União Europeia – o ‘Integrity Watch’ – evidencia uma forte influência da indústria farmacêutica, da agenda verde, das gigantes tecnológicas e do chamado ‘lobby LGBT’. Este último, fortemente suportado financeiramente pela própria comissão e pela Open Society de George Soros. A grande maioria das reuniões foi levada a cabo por eurodeputados do Partido Socialista, seguido do Bloco de Esquerda e do PAN.
Desde Julho de 2019, os eurodeputados portugueses registaram 1.468 reuniões com lobistas e grupos de interesse na plataforma de transparência da União Europeia. Embora este registo seja voluntário, é obrigatório que os lobbies estejam inscritos se quiserem obter certas ‘regalias’, como cartões de acesso ao Parlamento Europeu, participação nas audições públicas das comissões, e um maior envolvimento em atividades e eventos com os vários grupos de deputados.
Na extensa lista, o Partido Socialista é aquele que concentra a esmagadora maioria das reuniões – são 1191, no total –, com vários dos seus deputados, mas o nome que aparece mais vezes é o da socialista Sara Cerdas, com 417 reuniões registadas nesta legislatura.
Em segundo lugar está o Bloco de Esquerda, que teve o eurodeputado José Gusmão como anfitrião em 171 reuniões.
De seguida, o candidato eleito pelo PAN, Francisco Guerreiro, que se desfiliou do partido mas manteve-se como eurodeputado independente, registou 144 encontros com ‘lobistas’ nestes últimos cinco anos.
Curiosamente, apesar de o PSD ter conseguido seis mandatos nas últimas eleições, Carlos Coelho é o único deputado do partido a registar encontros com lobbies ou grupos de interesse, constando apenas sete reuniões no portal da União Europeia.
O partido comunista também surge pouco representado, com os seus dois deputados a registar apenas 20 encontros com grupos de interesse.
O poder das farmacêuticas
A crise em torno da covid-19 foi uma das marcas desta última legislatura europeia. Não é, por isso, de espantar que a indústria farmacêutica apareça fortemente representada neste registo de transparência de lobbies, com várias reuniões em que o tema central foi as vacinas anti-covid e as medidas de mitigação da pandemia.
Nas instituições com maior número de presenças, destaca-se a Vaccines Europe, uma organização “criada em 1991 para dar voz à indústria das vacinas na Europa”.
A Wellcome Trust, uma fundação filantrópica que financia investigação na área da Saúde, foi também uma das entidades que aparece mais vezes, registando sete reuniões.
Do rol das principais empresas farmacêuticas, nenhuma está ausente deste registo de encontros com os eurodeputados portugueses – desde a Gilead, a Johnson & Johnson, a Pfizer ou a AstraZeneca.
A norte-americana Novavax, por exemplo, teve uma reunião com o grupo socialista para discutir a “relutância vacinal”. Mas nem só de vacinas ou de saúde se fala nas reuniões com as farmacêuticas. A AstraZeneca, por exemplo, discutiu as “metas de neutralidade carbónica”.
A UNITE Network, uma rede de “parlamentares empenhados na promoção de políticas eficientes e sustentáveis para melhorar os sistemas de saúde globais”, fundada e presidida pelo social-democrata Ricardo Baptista Leite – que se notabilizou pela luta ‘incansável’ contra a covid-19 – reuniu cinco vezes com a deputada socialista Sara Cerdas entre 2021 e 2023.
O tópico da “saúde” é o mote para mais de uma centena de reuniões, mas o foco está, muitas vezes, em fármacos e vacinas.
A agenda ‘verde’
É comum ouvir-se ativistas ecológicos denunciarem o lobby das petrolíferas e dos combustíveis fosséis. Mas se é verdade que as petrolíferas exerceram uma forte influência nos decisores políticos, esse poder parece ter sido agora substituído por uma nova agenda igualmente rentável: das supostas “energias verdes”, necessárias para as metas da “transição energética”. Analisando as reuniões dos eurodeputados portugueses nos últimos anos, um dos temas mais recorrentes é, sem dúvida, a “agenda verde” ou “ecológica”. Os termos “transição energética” ou “transição verde” surgem dezenas de vezes, bem como a “redução das emissões de dióxido de carbono”, as “alterações climáticas”, e o “clima”, sendo tópicos recorrentes nos encontros de vários grupos e empresas com os eurodeputados portugueses.
O leque de entidades que com eles reúnem para abordar estes assuntos é variado, e vai desde organizações ambientais a grandes empresas nos setores da Energia e até automóvel, como é o caso da Tesla. Uma das associações ambientalistas com maior presença é a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, que reuniu 11 vezes com os quatro grupos de eurodeputados – com o partido da esquerda europeia, os verdes, os sociais-democratas e os socialistas.
Neste âmbito, o pacole legislativo Fit for 55 – que visa uma redução de 55% na emissão de gases com efeito de estufa até 2023 relativamente ao ano de 1990 – foi um tema central em 41 reuniões. Já a “revisão da regulação de padrões de CO2 para automóveis e carrinhas no contexto do Fit for 55”, foi a agenda em 29 reuniões. Esta iniciativa insere-se no Pacto Ecológico Europeu.
Em estreita cooperação com os eurodeputados para alavancar a agenda verde – e uma vez que as metas ambientais abrangem diversos setores – contam-se instituições como a Tesla, a Iberdrola, a Hydrogen Europe, a EDP, o European Environmental Bureau e a SolarPower Europe, uma associação que se propõe a fazer com que a energia solar seja a principal fonte de energia da Europa até 2030.
O lobby LGBT
A ILGA Europe, uma organização LGBT financiada pela União Europeia e por fundos filantrópicos que incluem a Open Society Foundations, do multimilionário George Soros, foi a associação ‘colorida’ que teve mais contato com os representantes portugueses na Europa, tendo reunido três vezes com o bloquista José Gusmão, e uma vez com a socialista Sara Cerdas. Com o eurodeputado do Bloco de Esquerda estiveram ainda outras quatro associações LGBT: a EuroCentralAsian Lesbian* Community – uma rede lésbica feminista e interseccional que tem também a fundação de Soros entre os seus financiadores –, a Forbidden Colours, a Organisation Intersex International Europe e a Transgender Europe. Destas, apenas a Forbidden Colours, uma organização sem fins lucrativos que angaria donativos para a comunidade LGBT, não recebe atualmente financiamento da Comissão Europeia. A últimareunião, em Agosto passado, serviu para discutir a implementação da ‘Estratégia para a Igualdade LGBTIQ’.
Nos encontros com a ILGA, abordou-se também a implementação de medidas a favor de pessoas homossexuais, trans ou não-binárias, nomeadamente uma proposta relacionada com a criação de instrumentos para um certificado de parentalidade europeu – uma causa que tem sido defendida por esta comunidade para garantir que os pais de famílias “LGBT” têm a sua parentalidade reconhecida em todos os estados-membros.
Houve ainda outros encontros em que se discutiram iniciativas relacionadas com a comunidade LGBT, embora as organizações em causa não se dediquem especificamente a estas minorias. Foi o caso do movimento alemão Brot für die Welt [Pão para o Mundo, em português], que esteve com a eurodeputada socialista Isabel Santos em Fevereiro passado para falar de “Justiça de género e tópicos LGBTQI+ em Cooperação para o Desenvolvimento em Bruxelas”, e da European Women’s Lobby, co-financiada pela Comissão Europeia e pela Open Society Foundations, que reuniu com a também socialista Maria Manuel Leitão Marques para discutir o “certificado de parentalidade eropeu”.
“Big Tech”
Nesta legislatura, as grandes tecnológicas como a Google, o Facebook, a Meta, a NOS, a Apple e o Tiktok, foram também uma pesença regular em Bruxelas. Em cima da mesa nos seus encontros com os eurodeputados portugueses estiveram temas que vão desde aos chips e os anúncios políticos à cibersegurança.
O ‘European Chips Act’, uma estratégia que pretende tornar a Europa numa potência liderante na indústria dos semicondutores – e que, nesse sentido, também contribui para a “transição digital” – entrou em vigor em Setembro do ano passado. Foi assunto em reuniões com a Google – que registou 10 reuniões com os eurodeputados portugueses – e com a Apple.
Por seu turno, o ‘Digital Markets Act’, que a Comissão Europeia descreve como uma “peça central” da sua estratégia digital, estipula os requisitos para que uma plataforma digital de grande dimensão se qualifique como “gatekeeper”. Uma vez dentro dessa classificação, essas empresas estão sujeitas a um conjunto de regras. Esta ‘Lei dos Mercados Digitais’ foi discutida com as tecnológicas Google, a Apple, o Facebook.
O objetivo europeu da “neutralidade carbónica”, profundamente ‘entranhado’ em quase todas as políticas europeias, está também abrangido na “Agenda Digital” da Europa para 2020-2030, que foi abordada entre vários eurodeputados e algumas empresas do ramo tecnológico, incluindo a NOS, a Vodafone e a norte-americana Qualcomm.
Finalmente, o “Metaverso” e os “mundos virtuais” não ficaram de fora da agenda das reuniões, tendo sido assunto principal em seis e discutindo-se, por exemplo, os seus “riscos e oportunidades”.
Ver também:
Lobby na UE (1): 35 maiores lobistas têm a Ação Climática como prioridade – The Blind Spot
Lobby na UE (2): A complexa rede de financiamentos privados das ONGs lobistas – The Blind Spot
Lobby na UE (3): Como atuam as grandes Fundações – The Blind Spot
Projetos “verdes” de Bill Gates recebem até mil milhões de contribuintes europeus – The Blind Spot