A 18 de abril de 2020, GraƧa Freitas tentava esclarecer o facto de uma ā€œmorte Covidā€ nĆ£o corresponder necessariamente a uma morte provocada pelo vĆ­rus.Ā 

Dizia na altura:

ā€œPor exemplo alguĆ©m que esteja muito mal, com uma doenƧa neoplĆ”sica mesmo que venha a falecer provavelmente dessa doenƧa se estiver infetada por Covid nós contamos a infeção por Covid. Nós em Portugal nĆ£o estamos a contar a causa bĆ”sica da morte mas o evento terminal. Portanto o nĆŗmero de óbitos corresponde ao nĆŗmero de infetados Ć  data da morte.ā€Ā 

Claro que esses esclarecimentos, essenciais para se contextualizar um pouco melhor os nĆŗmeros apresentados, foram totalmente ignorados pela comunicação social, polĆ­ticos e muitos agentes de alarmismo social (entre os quais alguns mĆ©dicos). Continuou-se exaustivamente a afirmar que ā€œHĆ” mais X mortos provocados pelo vĆ­rusā€ ou ā€œa Covid jĆ” matou Y milhƵes de pessoasā€.Ā 

Apesar de a declaração não ter tido o efeito desejado e a população ter continuado a ser bombardeada com informação no mínimo enganadora, ficou o registo dessa intenção.

Mas se no início ainda existiu a tentativa de esclarecer e esfriar um pouco o alarmismo que se instalara, pouco a pouco, a Direção Geral da Saúde (DGS) foi deixando-se levar pela narrativa que a comunicação social e, progressivamente, os governantes foram adotando.

Mortalidade geral e as outras doenƧas

Um dos primeiros sinais dessa tendência foi o desprezo pelo excesso de mortalidade geral. Em julho de 2020, Portugal registava um aumento significativo de mortalidade, invulgar para a época. Isto numa altura em que a Covid apresentava números muito baixos, sem impacto significativo nesses dados.

Fonte: SICO

Poucos dias após esse pico de mortalidade e numa altura em que inexplicavelmente ainda morriam muitas pessoas a mais do que o normal, sem qualquer associação ao vĆ­rus, o secretĆ”rio de estado Lacerda Sales, repetia o ato de outros governantes nacionais ou internacionais, e emocionava-se com um dia de ā€œzero mortes Covidā€.

Para as outras mortes, que atingiam números históricos, não parecia existir qualquer interesse, muito menos lÔgrimas.

Falta de independência em relação ao poder político

Mas se estas situações são habituais em políticos, para as entidades como a DGS não deveriam ser. 

Os governos estão muito dependentes do apoio dos eleitores para manterem os seus cargos e prestígio. Para tal concentram a atenção (e o investimento) em temas que estão na mente das pessoas (especificamente no seu eleitorado potencial) pois sabem que conseguindo uma perceção pública favorÔvel nesses temas, terão benefícios eleitorais garantidos. 

A pandemia, no início até mais pela abordagem irresponsÔvel de grande parte da  comunicação social, foi obviamente o tema que concentrou quase toda a atenção durante cerca de dois anos.

JÔ a DGS deveria ter diferentes objetivos e uma forma de atuação que contextualizasse e refreasse os ímpetos eleitoralistas, que numa questão como a da saúde pode ter consequências particularmente devastadoras. 

Para isso, deveria exercer a sua autonomia de forma a garantir a defesa da saúde e do bem-estar da população e que todas as medidas fossem fundamentadas em evidência científica robusta.

Se não pudesse eliminar completamente as derivas populistas do Governo (apoiadas pela maioria dos partidos da oposição), até pela dependência orgânica ao Ministério da Saúde, deveria pelo menos refreÔ-las e dificultar as que têm maiores efeitos colaterais sem benefícios claros.

Infelizmente, tal nĆ£o aconteceu e a DGS tornou-se mais uma cadeia de transmissĆ£o da narrativa do Governo. Foi cĆŗmplice por omissĆ£o do alarmismo, totalmente desproporcional, que a comunicação social de massas e certos ā€œespecialistasā€ constantemente alimentam.Ā 

Ao alinhar em muitas das ā€œassunƧƵes oficiaisā€ deu-lhes a credibilidade de que necessitavam para certificar polĆ­ticas pseudocientĆ­ficas e contraproducentes.Ā 

AlƩm de ficar refƩm de um conjunto de medidas, pouco fundamentadas e completamente desproporcionadas, omitiu por completo os efeitos devastadores dessas medidas (e do estado de medo permanente em que muitos passaram a viver).

Quebra acentuada na assistência à população

Para quem estivesse atento e não seguisse apenas agendas políticas ou mediÔticas, as evidências de descalabro a nível de saúde pública eram muitas.

A título de exemplo, uma anÔlise (na altura ainda eram feitas algumas de forma independente) da Escola Nacional de Saúde Pública tentava escrutinar algumas possíveis causas para o excesso de mortalidade (não Covid-19), que começava a ser substancial. 

Entre as muitas situações preocupantes podíamos verificar as reduções de: (1) consultas presenciais em 53% e domiciliares em cuidados de saúde primÔrios em 49%; (2) meios complementares de diagnóstico e terapêutica em 50%; (3) episódios cirúrgicos em ambulatório e de intervenções cirúrgicas em 21%; (4) intervenções cirúrgicas de natureza urgente em nove por cento.

Os nĆŗmeros verdadeiramente reveladores da atividade do Sistema Nacional de SaĆŗde de 2020 e 2021, confirmam uma realidade verdadeiramente assustadora e que desmascara grande parte da narrativa que nos foi apresentada.Ā 

Fonte: TransparĆŖncia SNSĀ 

Mortalidade geral recorde

Mas se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi protegido (pelo menos de pessoas), as pessoas não parecem ter sido protegidas de coisa alguma.

Além da mortalidade Covid ter sido bastante elevada, a mortalidade geral, de longe a mais fiÔvel por não ter diferentes critérios e incluir efeitos das medidas, mostra uma realidade ainda pior.

Apesar de sermos dos países com mais medidas restritivas (confinamentos, escolas fechadas, mÔscaras, certificados, medidas avulsas para todos os gostos), estamos no topo da mortalidade geral dos dois últimos anos da Europa, principalmente da Europa ocidental.

Fonte: Human Mortality Database

Curiosamente a Noruega e a Suécia que tiveram menos medidas restritivas estão na cauda desse indesejado indicador durante os dois anos de pandemia. Sendo que, no caso da Suécia que inclusive teve números Covid elevados no início da pandemia, apresenta déficit de mortalidade em 2021.

A DGC (Direção Geral da Covid)

Quantas vezes ouvimos a DGS falar sobre a mortalidade geral? Ou sobre pessoas que por medo não iam a hospitais tratar/prevenir doenças incomparavelmente mais perigosas para elas? Ou sobre os que se querendo tratar sofreram com as medidas que promoveram a ineficiência dos serviços ou mesmo a falta de assistência?

Pouco ou nada.

Tal como acontece com frequência a governos, ficou refém de uma narrativa e de medidas tomadas, que agora tem de justificar.

Nesta altura, os hospitais nĆ£o estĆ£o sobrecarregados, o vĆ­rus Ć© ainda menos patogĆ©nico, nĆ£o existem variantes ā€œassustadorasā€, quase todos dos grupos de risco estĆ£o vacinados, estamos a caminho do verĆ£o. Escasseiam argumentos para se imporem mais medidas.

No entanto, a DGS continua a querer patrocinar medidas como a imposição de mÔscaras a crianças durante horas a fio. Mesmo contra toda a evidência, antiga e recente. Mesmo ignorando todos os malefícios na saúde e bem-estar dos jovens e da população em geral. 

Mesmo vendo agora que os paĆ­ses que nunca as adotaram ou as abandonaram hĆ” muitos meses, nĆ£o tiveram os resultados que os nossos ā€œespecialistasā€ baseados em assunƧƵes especulativas ou fantasiosas, prometeram. Pelo contrĆ”rio.

Se nesta conjuntura favorĆ”vel Ć© assim, como serĆ” quando chegar o outono, com variantes ā€œalarmantesā€, com hospitais mais cheios, com outros vĆ­rus, com novas especulaƧƵes catastróficas, com ainda mais interessados em criar o pĆ¢nico, com outros paĆ­ses a tomarem medidas irracionais?

Se a DGS e o Governo que a controla não mudarem radicalmente de postura e de políticas, o futuro vislumbra-se sombrio.

Ɖ necessĆ”rio comeƧar a pensar na SaĆŗde de todos, nĆ£o apenas na Covid e em toda a mitologia e interesses associados.