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Ásia-Pacífico: Um duelo de superpotências

A Ásia é palco da ambição geoestratégica americana e chinesa. Os Estados Unidos da América e a China lideram arquiteturas diplomáticas em competição, a Millennium Challenge Corporation (MCC) e a Belt & Road Initiative (BRI). Será que a estratégia chinesa «do colar de pérolas» triunfará sobre a estratégia «force brute» americana?

Para lá das Arábias e até ao Japão, entre as montanhas e o mar, a Ásia destaca-se cada vez mais como uma peça fundamental no xadrez geoestratégico mundial. Para além da vasta área continental, o cerne do poder económico da Ásia está na região do Indo-Pacífico. Para Udayan Das, redator da revista The Diplomat, «o Indo-Pacífico é entendido em sentido lato como um espaço de ligação entre o Oceano Índico e o Oceano Pacífico, que vai desde a costa leste de África até a costa oeste dos Estados Unidos.» (Das, 2019). A grande riqueza deste espaço são as suas rotas comerciais marítimas, cujo controlo desperta a cobiça das grandes superpotências mundiais: os Estados Unidos da América e a China.

Tanto os Estados Unidos como a China possuem estratégias bem definidas para a região do Indo-Pacífico. No caso dos Estados Unidos, a estratégia Indo-Pacífico do governo Biden concentra-se em cinco objetivos principais: a manutenção da liberdade e da abertura de um Indo-Pacífico, a construção de ligações dentro e fora da região, o impulso de prosperidade, o reforço da segurança e a garantia da resiliência regional. Esta estratégia visa apoiar a liderança regional da Índia e promover a cooperação regional com os EUA e a NATO. No caso da China, a estratégia de Pequim para o Indo-Pacífico assenta numa combinação de fatores económicos, diplomáticos e militares, a nível internacional e regional, ou seja, aquilo a que se convencionou chamar «estratégia do colar de pérolas». Fundamental, nesta combinação de fatores, é a Belt & Road Initiative (BRI), no âmbito da qual a China tem investido em portos no Oceano Índico, e que podem ser usados como bases navais.

Integram a BRI 163 países (30 europeus, 53 africanos, 54 asiáticos e 26 sul-americanos), que correspondem a quase 75% da população mundial e mais de 50% do PIB mundial (Caridi, 2023). O objetivo é construir um grande mercado unificado, usando os mercados internacionais e domésticos para reforçar a posição geoestratégica à escala global. O foco inicial foi o investimento em infraestruturas, educação, vias de comunicação, automóveis, imóveis, rede elétrica, ferro e aço. Por isso e na atualidade, a BRI foca sobretudo no desenvolvimento do renminbi como moeda de transações internacionais, no desenvolvimento das infraestruturas dos países asiáticos, no fortalecimento das relações diplomáticas, na redução da dependência face aos EUA e na criação de novos mercados para produtos chineses.

A BRI, enquanto a vertente económica da estratégia chinesa para o Indo-Pacífico, tem empreendimento Millennium Challenge Corporation (MCC) a sua homóloga norte-americana.

A MCC é uma agência governamental de ajuda externa estabelecida pelo Congresso em 2004, que apoia países com “boas políticas económicas” e com potencial de crescimento. Os apoios são dados atribuídos a projetos específicos e avaliados segundo critérios políticos. A MCC está presente em 51 países (27 africanos, 13 asiáticos, 7 sul-americanos e 4 europeus). Destes, apenas 5 não participam na BRI: 2 europeus (Kosovo e Ucrânia) e 3 sul-americanos (Belize, Guatemala e Paraguay). Até ao final de 2022, a MCC investiu mais de 14 biliões de dólares através de 42 acordos em 31 países. No mesmo período, a BRI investiu nos países parceiros cerca de 67 biliões de dólares (+ 380% qua a MCC).

Em conclusão, a principal divergência entre as grandes superpotências na região do Indo-Pacífico tem a ver com o respetivo foco. A estratégia dos Estados Unidos assenta numa forte presença militar, na qual a vertente económica é uma componente residual. A China fundamenta a sua estratégia na vertente económica e diplomática, sendo a vertente militar uma alavanca para salvaguardar territórios e “direitos adquiridos”. Destas diferentes abordagens resultam duas realidades. Em primeiro lugar, os países pobres, sempre que podem, recorrem aos apoios oferecidos por ambas as superpotências. Em segundo lugar, estes países têm vindo a mostrar maior adesão à BRI que à MCC, esquivando-se aos critérios políticos usados para pontuar os projetos.

No limite, será possível imaginar que a arquitetura diplomática dos chineses triunfará sobre a tradicional “force brute” americana? O evoluir dos acontecimentos parece apontar nesse sentido.

José Alberto Pereira

PhD, Wagner Watch Project, Eurodefense Portugal

Doutorado em gestão, especialista em geoestratégia, economia da defesa e Grupo Wagner. Professor, investigador, escritor, poeta, viajante e fotógrafo. Rotário, ativista social, melómano e filantropo.

Referências Bibliográficas

Caridi, G. (2023). BRI’s Digital Silk Road and the EU: The Role of Innovation and Communication in the Italian Case Study. in China and Eurasian Powers in a Multipolar World Order 2.0: Security, Diplomacy, Economy and Cyberspace. Mher Sahakyan (ed.). New York: Routledge.

Das, U. (2019). What Is the Indo-Pacific. (obtido a 16.08.2023 em https://thediplomat.com/2019/07/what-is-the-indo-pacific/).

Jawad, A. (2023). 10 Largest Economies in the World in 2023 (obtido a 16.08.2023 em https://www.insidermonkey.com/blog/10-largest-economies-in-the-world-in-2023-1160672/10/).

Jawad, A. (2023). 5 Largest Economies in the World by 2050 (obtido a 16.08.2023 em https://www.insidermonkey.com/blog/5-largest-economies-in-the-world-by-2050-1165133/5/).

Jochheim, U. & Lobo, R. (2023). Geopolitics in the Indo-Pacific: Major players strategic perspectives. Brussels: European Parliamentary Research Service.

MCC (2023). 2022 Annual Report. Washington, DC: Millennium Challenge Corporation.

Nedopil, C. (2023). China Belt and Road Initiative (BRI) Investment Report 2022. Shanghai: Green Finance & Development Center, FISF Fudan University.

Notteboom, T, Athanasios, P & Rodrigue, J. (2022). Port Economics, Management and Policy. 1st edition. Routledge: Abingdon, Oxfordshire, UK.

Ploch, L. (2012). Madagascar’s Political Crisis. Washington, DC: Congressional Research Service.

Scott, D. (2019). China’s Indo-Pacific Strategy: The Problems of Success. in Journal of Territorial and Maritime Studies, vol 6, nº 2, pp. 94–113.

Singh, T. (2023). China and the Indo-Pacific: Issues and Concerns. New Delhi: Indian Council of World Affairs.

Ver também: Arquivo de Geoestratégia – The Blind Spot

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