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Prevalece uma grande e justificada apreensão pelas situações de guerra em curso e, eventualmente, por outros focos potenciais de instabilidade político-militar em diferentes pontos do globo.

Com efeito confrontamo-nos, de momento, com duas situações de conflito militar tangíveis, preocupantes e altamente mediatizadas, porque, para além de, por enquanto, se encontrarem regionalmente circunscritas, poderem alastrar, para além dos teatros de guerra conhecidos e delimitados, a outros territórios e a outros actores, e, dessa forma, colocarem em perigo a paz mundial. É o chamado spill over effect. Referimo-nos, bem entendido, à guerra Rússia-Ucrânia e ao conflito Hamas-Israel.

Todavia, surge na linha do horizonte, um conflito potencial bem mais ameaçador que os precedentes, aliás previsto há bastante tempo, ou seja: as tensões entre a China e Taiwan, que podem resultar na anexação pela força do território controlado por Taipé por Beijing.

Estas tensões poderão redundar numa escalada militar sem precedentes, podendo levar-nos à guerra mundial, designadamente a ocorrer num cenário de continuação e eventual agravamento dos conflitos Rússia-Ucrânia e Hamas-Israel. Por outras palavras, uma guerra China-Taiwan, a acrescer ao status quo bélico já existente, criaria a chamada “tempestade perfeita” e a inevitabilidade da expansão de toda esta conflitualidade à escala planetária.

Para além de tudo o que já se referiu, existem, ainda, conflagrações reais ou latentes em vários pontos quentes e zonas de fricção: na Europa, o enclave de Nagorno-Karabakh, certas regiões da Geórgia (Abkhazia e Ossétia do Sul) e a Transnístria (na fronteira Ucrânia-Moldova). Na Ásia meridional constatamos, antes do mais, o problema insolúvel de Caxemira que envolve duas potências nucleares:  a Índia e o Paquistão, o que deu origem a 4 guerras regionais (1947, 1965, 1971 e 1999). De registar que Nova Deli e Islamabade dispõem de 164 e 170 ogivas nucleares, respectivamente.  Por ora, apesar das subidas momentâneas de tensão, que de quando em quando irrompem, tem havido bom senso e contenção. No Extremo-Oriente, releva-se o conflito também ele irresolúvel entre as duas Coreias, em que Pyongyang dispõe de 30 ogivas, para já não falar na imprevisibilidade comportamental de Kim Jong-un. .

Para além destes conflitos potenciais, deparamos com situações de guerra civil nos seguintes países: Afeganistão, República Centro-Africana, Etiópia, Iémen, Líbia, Mali, Somália, Sudão do Sul e Síria.   

Qualquer degradação dos dois grandes conflitos presentemente em curso, Ucrânia e Palestina, pode pôr em risco a paz mundial.

Na Ucrânia, a situação actual caracteriza-se por um impasse que pode ser efémero. Com a aproximação do Inverno, os russos poderão experimentar algumas vantagens, mas o desfecho terá tendência a dilatar-se no tempo. Acresce que, por razões da política interna norte-americana, o fornecimento de material militar e de munições dos EUA a Kiev poderá reduzir-se drasticamente, pondo em risco o apoio à Ucrânia. A Europa teria, então, de fazer um esforço suplementar para colmatar esta brecha, especialmente através da Alemanha. Resta saber se estará em condições de o fazer, o que é pelo menos incerto. 

No Médio Oriente, desconhece-se em absoluto onde a situação nos poderá levar. Efectivamente, não sabemos, até ponto é que os israelitas poderão destroçar a máquina do Hamas nem quanto tempo levarão a fazê-lo. O certo é que Israel não respeitou a tão decantada proporcionalidade. Trata-se de um conflito assimétrico recheado de imponderáveis. O intercâmbio de prisioneiros palestinos por reféns israelitas e um curto período de tréguas, ainda numa fase incipiente, poderá constituir um sinal positivo, todavia manifestamente insuficiente para pôr termo ao diferendo. Na Cisjordânia, as tensões são muitas, mas, por ora, estão sob controle.  As trocas de tiros de artilharia na fronteira e os bombardeamentos a aeroportos sírios não levaram o Hezbollah no Líbano, telecomandado por Teerão, a ir mais além, nem o regime de Bashir Al-Assad, em Damasco, a braços com uma guerra civil, a intervir. É claro que a presença dos porta-aviões norte-americanos constitui um elemento dissuasor robusto, para o Hezbollah, para o Irão e para a Síria.     

A China tem tido paciência para tentar resolver o que considera ser o seu problema “interno” (leia-se o caso de Taiwan que Beijing considera território nacional chinês, não admitindo interferências) e não quer, por ora, fazer demasiadas ondas. A turbulência está já demasiado empolada e não necessita de ser estimulada. O factor tempo para Beijing, não é, à partida, importante. Resta saber até que ponto irá a paciência chinesa.

Por último, espera-se que as situações de conflito reais ou latentes noutros pontos do globo, de Caxemira ao Mali, não degenerem.

A situação não é brilhante, mas não podemos, prante os factos conhecidos e muito sumariamente descritos, pecar por pessimismo e, pelo menos, até ao momento tem prevalecido o bom senso.

Francisco Henriques da Silva

Embaixador, Vice-Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia, autor.

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