Uma investigação The Blind Spot apurou que é a falsa a notícia, veiculada por grande parte da imprensa nacional, de que um estudo demonstra que a inclusão de mais vacinas de adultos no Plano Nacional de Vacinação pouparia 245 milhões de euros. O representante do programa citado como fonte, refere não existir qualquer estudo e de que os valores apontados se referem a um “exercício analítico” que estima os custos globais, diretos e indiretos, com várias doenças, inclusive para as que já têm vacinas incluídas no Plano Nacional, e que no cálculo de uma eventual poupança se teriam de incluir outras variáveis como o custo das vacinas.
Órgãos de comunicação social nacional, como a RTP, a SIC, o DN, a TSF ou a Sábado, transmitiram a informação falsa de que um estudo teria sugerido que a introdução de vacinas para adultos no Plano Nacional de Vacinação pouparia 245 milhões de euro por ano aos cofres do estado.
Fonte: Vários órgãos de comunicação social
No entanto, como infelizmente é pratica corrente na imprensa nacional, a notícia não foi acompanhada por uma referência concreta ou link para o estudo citado, sendo apenas referido ter-se tratado de um estudo da Escola de Saúde Pública em parceria com a Universidade Nova de Lisboa.
Uma vez que o suposto estudo não está disponível nos sites de ambas as entidades, resolvemos contactar diretamente a Universidade Nova, que nos reencaminhou para a NOVA Center for Global Health, um dos laboratórios de investigação da NOVA IMS e que teria estimado essa poupança.
“Não há qualquer estudo”
Ao TBS, João Diogo, o gestor do Projeto + Longevidade – que está a ser coordenado pelo NOVA Center for Global Health –, explicou que o citado estudo não existe, e que a origem dos referidos “245 milhões” decorre de um “exercício analítico” e de uma “análise pontual” que consta de um relatório que ainda será publicado.
Segundo o responsável, essa análise faz parte de uma extrapolação da Escola de Saúde Pública, a partir de poucos dados, e corresponde a uma “fatia do projeto”.
João Diogo mostrou-se desconfortável com a forma como alguns órgãos de comunicação social tiraram conclusões infundadas a partir dessa análise.
Estimativa de custos e não de poupança
Para além disso, foi confirmado que o valor de 245 milhões corresponde a uma extrapolação geral do “fardo” associado (não necessariamente causado na totalidade) por um conjunto de doenças. Nessa contabilidade estariam incluídas despesas como de internamento, tratamentos e de perdas de produtividade.
Isso mesmo está bem explícito no comunicado de imprensa:
“Na falta de evidência recente para o contexto nacional, foi feita uma estimativa baseada na extrapolação direta dos custos quantificados em vários países da UE (Itália, França, Bélgica, Espanha), assumindo uma proporcionalidade da despesa em saúde. Nesta simulação, estima-se que em Portugal sejam gastos mais de 245 milhões de euros com custos de hospitalização, ambulatório e perdas de produtividade associados à gripe, ao herpes zoster, ao vírus sincicial respiratório (VSR), à doença pneumocócica e ao vírus do papiloma humano (HPV).”
Em caso algum se poderia concluir que a vacinação “pouparia essa despesa”. O próprio responsável reconheceu que isso seria “ver apenas um dos lados” e referiu especificamente o custo com as vacinas como um dos valores a considerar.
Ou seja, logo à partida seria necessário deduzir, o investimento extra em vacinas necessário para essa eventual redução de custos globais, já que, ao contrário do que foi referido por muita comunicação social, as vacinas não são “gratuitas”. Pelo contrário, constituem uma despesa de muitos milhões, que contrabalançam os eventuais ganhos com a sua inclusão no Plano de Vacinação.
Fonte: Estudo sugere actualização do Programa Nacional de Vacinação para adultos (rtp.pt)
E, para além disso, existem outros motivos pelos quais essa conclusão carece de sustentação. Por um lado, a eficácia das vacinas está muito longe de ser 100%. A título de exemplo, basta pensar que já existe uma grande cobertura vacinal para a gripe e que isso não impede que muitos dos vacinados continuem a ter doença moderada ou grave, com os correspondentes custos. Ironicamente, pelo que se percebe esses custos (com vacinados) até estão incluídos dentro destes 245 milhões de euros.
Mas há mais: pelo que nos é dado a perceber, também a despesa com os escalões já incluídos no Plano Nacional de Vacinação (maiores de 65 anos), parece estar incluída nos “245 milhões”. Portanto, a grande maioria da suposta poupança nunca existiria, dado que a medida que a poderia suportar já está implementada.
Finalmente, a conclusão de poupança veiculada pela imprensa parece ignorar por completo as reações adversas e os efeitos secundários das vacinas, bem como as despesas decorrentes. Tanto mais que, muitas das vacinas referidas são bastante recentes e, por isso, o conhecimento sobre a prevalência desses fenómenos é ainda pouco robusto.
Nota editorial:
Numa época em que se limita a liberdade de expressão e a comunicação de dados verdadeiros com base no conceito de “desinformação”, situações em que são transmitidas informações falsas e enganosas não podem passar em claro.
O TBS continuará a investigar este caso que considera grave.
Ver também:
Meios de comunicação social portugueses difundem notícia falsa – The Blind Spot
Jornal Expresso divulga informação falsa sobre máscaras – The Blind Spot
CNN Portugal oculta utilização de imagens falsas sobre a guerra na Ucrânia – The Blind Spot
SIC repete fórmula de fake news – The Blind Spot
RTP exibiu imagens falsas sobre a Ucrânia – The Blind Spot
Meta coloca aviso de informações falsas em publicação comprovadamente verdadeira – The Blind Spot
Brasil: Presidente e Ministra da Saúde divulgam informações falsas sobre vacinas – The Blind Spot